segunda-feira, 2 de junho de 2008

O desafio da China





1. O desafio chinês tem um duplo ou triplo sentido: o desafio que a China coloca ao mundo e o desafio que o mundo coloca à China e que a China coloca a si própria.
O desafio que a China coloca ao mundo é o facto de a China desejar vir a ser uma superpotência emergente. A China tem as condições de todas conhecidas para o ser. Ela já é naturalmente a maior potência demográfica à face da terra e isso torna-a poderosa. Por outro lado, não há democracia sem disputa e a nível mundial a queda da União Soviética deixou o mundo entregue aos caprichos de uma superpotência, sem opositor. Em termos democráticos, pode dizer-se que a falta de alternativa a nível mundial equivale a uma situação de ausência de “democracia global”. A China pode muito bem desempenhar esse papel, a que outros parceiros irão juntar-se mais tarde ou mais cedo, seja pelo seu poderio económico, seja pelo seu peso demográfico, seja pelo sua importância política, factores que tendem a juntar-se necessariamente. A Índia, o Brasil, a União Europeia, são interlocutores válidos à escala mundial.

2. A força de uma potência a nível global está assente num factor incontornável e determinante, que decidiu sempre, em última análise os grandes conflitos: a força moral dessa potência. Esse factor foi determinante na desenlace das duas grandes guerras e no fim da guerra fria, cuja sorte ainda não está definitivamente adquirida, visto que a queda da União Soviética fez emergir uma corrente belicista nos EUA que desbaratou imoralmente a vitória na guerra fria.
A China precisa assim de uma base moral para se impor no contexto internacional e essa base moral só pode ser adquirida, primacialmente, internamente. Ninguém, em política, pode passar ao patamar seguinte, se antes não houver conquistado a força moral no patamar precedente.

3. Entretanto, do ponto de vista político, o regime chinês continua a assentar num partido único. Como evoluir sem rupturas para um sistema democrático a partir do actual poder é o grande desafio que a China coloca a si mesma, se quiser vencer o desafio que coloca ao Mundo e o Mundo lhe coloca.

3.1. A melhor forma de o fazer é potenciar democraticamente a luta pelo poder que se desenrola no seio do Partido entre dois grupos antagónicos, com uma visão diametralmente oposta da evolução da China, desde que esses dois grupos aceitem disputar de uma forma clara, transparente, primeiro, e finalmente democrática aquilo que tem sido uma luta surda nos esconsos do aparelho do partido.

3.2 Deste modo, o chamado"grupo de Xangai", que tem como figura tutelar o ex-secretário-geral, Jiang Zemin, que apoia incondicionalmente a actual transformação da China em economia de mercado, fortemente assente nas exportações, mas que tem assumido os aspectos mais acentuados do "capitalismo selvagem", assumiria, numa visão simples, o papel da ala (neo)liberal do regime ou conservadora, numa visão clássica direita/esquerda – uma espécie de Partido Republicano à oriental.

3.3. Ao invés, o chamado “grupo de Hu”, poderia, inversamente representar a ala socialista – um futuro Partido Democrático. Este grupo tem como núcleo da sua actuação a denúncia da corrupção e um conjunto de medidas sociais que corrijam os aspectos mais gravosos resultantes da abertura económica da China ao capitalismo, que ali tem assumido o seu lado mais negro, aproveitando-se do facto de a China ser uma sistema ditatorial para mostrar a sua verdadeira face, quase sempre oculta nos países democráticos, até hoje.

4. Esta evolução é inevitável a longo prazo. Mesmo que seja reconhecido que a pressão para a existência de um regime democrático ao modo ocidental na China não tenha atingido um nível adequado à transformação do regime, há, contudo, cada vez mais, uma opinião pública exigente, a que a Internet, mesmo com as suas limitações impostas pelo regime, veio dar voz. E os dirigentes chineses sabem que o efeito da existência de uma liberdade de crítica obrigará à transparência no exercício do poder que só pode ter como corolário um regime democrático.
As transformações económicas e a formação de uma classe média de 200 a 300 milhões de chineses com tendência a alargar-se são a base social e política necessária a esse regime democrático que, aliás, ultimamente tem sido descurada na Europa – a ligação umbilical entre a existência de uma classe média e a existência de uma democracia plural.

5. Finalmente, a transformação da China numa democracia será a condição essencial para a vitória de uma globalização democrática, que ponha fim ao “tsunami” social que a actual globalização neoliberal tem provocado.
A visão é simplista mas é a melhor forma de resolver questões complexas: partir de uma equação a duas variáveis, no máximo, e não mais.

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