Opinião
As teorias económicas liberais são contra a ideia de utilizar os serviços públicos para alcançar uma maior igualdade e justiça sociais.
Raymond Plant
O actual tumulto no Partido Socialista francês (PS) prende-se com a questão de poder ou não haver uma forma de socialismo liberal. Ségolène Royal, primeiro-secretário do PS francês, e Bertrand Delanoe, presidente da Câmara de Paris, têm defendido que pode haver uma incorporação de princípios económicos e sociais liberais numa visão socialista da sociedade, enquanto que os seus críticos declaram que isso seria uma medida errónea, uma vez que os valores socialistas são a antítese dos liberais. E em qualquer caso, adiantam, o mundo sofre de uma multiplicidade de crises económicas e financeiras, cujas culpas atribuem ao liberalismo económico, pelo que seria uma péssima altura para pensar em incorporar princípios liberais nas posições socialistas. No entanto, será verdade que os valores liberais e os valores socialistas são mutuamente antitéticos? Na minha opinião, creio que há pelo menos um aspecto em que isso é falso e, na Grã-Bretanha, o New Labour (que está a passar por dificuldades devido ao ressurgimento do Partido Conservador) mostra-nos porquê. Tem sido postulado central do New Labour que os valores do moderno Partido Trabalhista são os mesmos que foram historicamente adoptados, incluindo as liberdades individuais, maiores igualdades sociais, o apoio às comunidades e maior justiça social. No entanto, tem também sido princípio central do New Labour poder haver ensinamentos a retirar do liberalismo económico, sobretudo no que diz respeito aos pontos de vista liberais sobre a contenção da burocracia, o que poderia melhorar os serviços públicos de que depende a concretização dos valores socialistas. O Labour está ainda empenhado em serviços públicos de alta qualidade, vendo-os como instrumentos para uma maior igualdade social, de maneira a que os pobres tenham acesso a escolas, médicos e hospitais de grande qualidade, e que tais serviços devem ser gratuitos.
Esta perspectiva não é, manifestamente, a da economia liberal. As teorias económicas liberais são contra a ideia de utilizar os serviços públicos para alcançar uma maior igualdade e justiça sociais e consideram que o papel dos serviços públicos e do Estado-providência deve ser limitado, até mesmo residual. Os economistas liberais defendem que o financiamento estatal dos serviços públicos deve tornar-se mais limitado e que devem privatizar-se cada vez mais serviços públicos, transformando o cidadão num cliente ou, pelo menos, num consumidor daquilo que se tornará basicamente um conjunto de bens privados a serem adquiridos no mercado por um preço, tal como quaisquer outros.
O New Labour tem uma perspectiva diferente. Quer serviços públicos de alta qualidade, mas acabou por acreditar que a melhor maneira de obter eficiência económica na crescente despesa pública, sobretudo em saúde e educação, é adoptar uma perspectiva neo-liberal num aspecto importante, o de incentivar a concorrência entre fornecedores de serviços. A ideia é a seguinte. O Estado continuaria a financiar os serviços públicos a níveis muito altos, em comparação com o passado, mas a fazê-lo cada vez menos em termos de provisão estatal directa aos hospitais e escolas, por exemplo. Em vez disso, os organismos do sector do voluntariado, incluindo as igrejas, as empresas sem fins lucrativos e mesmo as empresas privadas com fins lucrativos seriam encorajados a concorrer a contratos financiados pelo Estado. Ao subscrever um desses contratos por um período de tempo limitado, o fornecedor não estatal seria como uma empresa a operar num mercado, sujeita às pressões da concorrência, para fornecer um serviço de alta qualidade, de tal maneira que o contrato lhe possa vir a ser readjudicado após o termo. Deste modo, tal como noutro mercado qualquer, o receio da falência leva o fornecedor do serviço a dar mais atenção às necessidades do consumidor. Assim será também, defendem os pensadores do New Labour, no Estado-providência.
Os serviços públicos continuarão a ser financiados pelo Estado e a níveis mais altos do que tem acontecido até agora; continuarão a ser gratuitos no destino; mas a diferença é que a concorrência entre fornecedores de serviços deve impulsionar o desempenho, o que não é possível, defendem, num conjunto monolítico de serviços estatais prestados de modo burocrático. O Serviço Nacional de Saúde britânico é o terceiro empregador a nível mundial, a seguir ao Exército Vermelho da República Popular da China e à cadeia de lojas Wall Mart dos Estados Unidos. O argumento é que os valores que estiveram na base da criação do Serviço Nacional de Saúde britânico podem ser satisfeitos, com a diferença de que a prestação deve agora seguir uma lógica competitiva em vez de burocrática e monolítica. As finalidades socialistas ou, pelo menos, sociais-democráticas deste ponto de vista podem agora ser concretizadas por meio da lógica economista liberal. Esta mensagem está, agora, a concentrar e a dar que pensar às mentes dos reformadores do PS francês e o resultado de tal atitude pode muito bem ter efeitos em toda a UE.
Lido aqui por sugestão do Farpas da Madeira (Cláudio Torres).
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