Recordo com saudade a Menina Ezequiel, ou Menina Sical, como nós, crianças, lhe chamávamos, e que ensinava os meninos da Cartilha, espécie de pré-primária da altura, a directora, a Menina Filomena, sua irmã, assim se chamava na Madeira, naquele tempo, as senhoras que não casavam, espécie de "mademoiselles", as outras professoras, todas solteiras, a Professora Maria José, da minha primeira classe e da terceira, a professora Doroteia, da segunda classe, falecida há poucos meses, a professora Virgína, da quarta classe, todas elas solteiras, católicas e provavelmente salazaristas, o retrato de Salazar dependurado na parede, quase todas na casa dos cinquentas e muitos,naquela Escola do Patronato de São Pedro, escola sob a égide da Igreja, onde hoje fica uma creche e em cujos jardins, com galinheiros e muitas árvores de frutos, como as abacateiras e as anoneiras, está a capela da Paróquia da Sagrada Família, com o altar exactamente erguido onde pendiam os ramos de uma frondosa e aromática anoneira.
Nesse dia, seguíamos os três, eu e outros dois irmãos mais velhos, o Ferdinando, já lá na companhia dos meus falecidos pais, seguia mais atrás, e eu e o Duanique mais à frente. O Duanique, o diminutivo infantil de Eduardo Henrique, andava já na escola, na primeira classe e eu ainda não tinha idade. Não gostava de estar separado de mim, com menos um ano e meio, na brincadeira e longe das saias da mãe. E propõe-me:
- Vem comigo para a escola!
- E o garrafão? - pergunto eu. O garrafão era para o petróleo do fogão, a "cozinheira", como se dizia, porque o irmão mais velho ia para a venda.
- Ora, deixas aí, que o Ferdinando vem atrás e pega.
E assim foi. Lá vou eu, pela primeira vez para a escola. Eu para a cartilha e ele já na primeira. O Duanique já lá andara, para mim, era uma surpresa, mas sempre melhor do que ficar em casa sem ninguém com quem brincar. E, a partir desse dia, nunca mais deixei a escola. Hoje sou professor. Entrávamos às dez e saímos às quatro. Aos sábados, ao contrário da escola oficial, não havia aulas. Reza ao começo das aulas, antes e depois do almoço na cantina, e ao sair. No mês de Maio, meu Deus, era o santo rosário, três terços. Com que energia rezávamos a Salve Rainha, pudera, era o fim do terço! E lá crescemos ouvindo ler a História das Aparições de Fátima e as Leituras da Bíblia.
Fugi para a escola e lá fiquei.
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