sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Está na moda aprender português, Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta


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O coordenador do estudo sobre a Internacionalização da Língua Portuguesa defende política da língua consistente, continuada e em conjunto com todos os países de língua portuguesa.

Reis diz que Figo ajudou a vender o português em Espanha
Alberto Frias português está em expansão mas, para se lhe dar uma verdadeira internacionalização, é preciso mais do que boa vontade. É preciso uma política da língua consistente e continuada, que lhe atribua meios e concerte esforços. Para o filólogo Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta, o acordo ortográfico também é fundamental para esta tarefa. Nesta entrevista, o professor catedrático em Coimbra, lança pistas e propostas, explica as diferenças com o Brasil e cita o exemplo de Espanha - com a qual advoga uma aliança estratégica - e conclui que esta é uma tarefa que tem de ser conjunta de todos os países de língua portuguesa. Ele foi o coordenador de um estudo sobre a Internacionalização da Língua Portuguesa, que está na base de uma resolução do Conselho de Ministros que, na próxima semana, deverá consagrar, pela primeira vez, uma política da língua.

Como se faz a internacionalização do português?
De várias formas. Através do ensino do português como língua estrangeira. Internacionalizar é fazer do português uma língua oferecida em matéria de ensino a franceses, alemães, ou búlgaros, por exemplo, que não tenham com ela outra relação que não seja entenderem que ela é um idioma importante. Internacionaliza-se também nas escolas secundárias e universidades, fazendo dele uma língua que abre caminho a outros sectores de actividade - penso na economia. É fazer dela uma espécie de vanguarda de presença, que depois é completada por noutros elementos, a economia, os negócios, a ciência, a cultura. Internacionaliza-se também através de entidades, como por exemplo os centros de língua, que trabalham o seu ensino fora das universidades. Dou o exemplo dos centros de língua do Instituto Cervantes, de Espanha, que não estão vinculados as estruturas universitárias, mas estão na rua, ao alcance do cidadão comum.

Portugal tem alguma coisa parecida com isso?
Não, o mais parecido mas limitado - embora de nível de excelência - são as escolas portuguesas em Luanda, Maputo, Macau e Timor. Internacionalizar-se uma língua fazendo dela um instrumento de referência cultural e económica, passa muito pelo desenvolvimento. Falamos muitas vezes com certa retórica triunfalista na dimensão demográfica do português, os famosos 200 a 230 milhões de falantes, mas não é bem assim. Esses falantes são em grande parte integrados por povos e países que infelizmente contam pouco no concerto internacional. Uma língua tem escassas possibilidades de se internacionalizar enquanto noutras instâncias que não a linguística (política, económica, científica) esses países não se afirmarem.

Esse é um factor muito notório do português, nomeadamente nos Estados Unidos?
Apesar de ter uma presença muito antiga, o português ainda não conseguiu ser uma das 10 línguas "requisito de acesso às universidades", onde está por exemplo o coreano, que não tem a dimensão demográfica do português. Porquê? Porque a presença económica e social da Coreia nos EUA é considerável; está o hebraico, por razões também conhecidas. Por isso, não faz muito sentido falar da política de internacionalização da língua isolada do resto e não tenho pruridos em o dizer: enquanto Angola, sobretudo, e Moçambique, que são países com dimensão demográfica considerável, não ganharem um peso internacional considerável, será muito difícil que o português se internacionalize. O caso do Brasil é a evidência disto. Na medida em que ele está a ganhar uma grande presença e é um país mais poderoso economicamente e com menos desigualdades internas, o português começa a ser um língua com algum poder internacional. Esta é uma zona um pouco melindrosa para alguns, que têm dificuldade em reconhecer que Brasil é aqui uma locomotiva fundamental. Não temos que ter receio disso.


O papel do Brasil

Está a falar do acordo ortográfico?
Não só. Em termos de melindres, essa foi a manifestação mais evidente e, em pessoas que estimo e cultas e responsáveis, foi mesmo penosa de se ver. Sobretudo o que estava em causa era um enorme preconceito em relação ao Brasil. Curiosamente, algumas dessas pessoas às vezes traduziam isso através de expressões brasileiras que já entraram lexicalmente no português. O português do Brasil tem algumas qualidades que o de Portugal não tem e já entrou no nosso falar desde que a televisão brasileira tem aqui uma presença forte. Há expressões que já nem as identificamos como brasileiras: quem hoje diz ir para a bicha? Diz-se 'para a fila'. Ou 'está tudo numa boa'.

Entraram por via da imigração e das telenovelas.
Da televisão, sobretudo. Há aspectos do português do Brasil em que leva vantagem sobre nós. Um deles é a articulação: um filme português passado no Brasil precisa de ser legendado e um brasileiro em Portugal não. Tão simples como isto. Porque os portugueses tendem a obscurecer a língua do ponto de vista articulatório, fonológico, de pronúncia. Engolem as palavras. O português do Brasil valoriza mais as vogais, os fonemas vocálicos, o que é uma vantagem para o bom entendimento. Temos de fazer um esforço de recuperar coisas que se perderam e isso só pode ser feito na escola, lendo expressivamente, obrigando a pronunciar bem as palavras todas. Mas a importância do Brasil neste cenário é evidente desde algum tempo. O Brasil apercebeu-se que a língua é um instrumento estratégico muito importante e o seu anúncio de criação de uma universidade para os países da CPLP no Nordeste não é inocente nem destituída de sentido político.

É curioso que seja no Nordeste?
Entende-se que uma universidade deste tipo é um factor de desenvolvimento de uma região pouco desenvolvida, e também porque no Nordeste há uma forte presença africana. Portanto, é como quem diz: 'nós somos a ligação para África'. Com esta iniciativa, o Brasil está a dizer que o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África é ele. Está no seu direito e porventura tem boas razões para isso, económicas, sociológicas, devido à imigração desde os tempos da escravatura. Isto significa o despertar do Brasil de uma forma muito vigorosa para a causa da língua portuguesa como instrumento estratégico.

Foi acordado com Portugal?
Não creio, foi anunciado pela primeira vez pelo ministo dos Negócios Estrangeiros Celso Amorim na Guiné-Bissau, em Abril. Não é inocente o lugar do anúncio.

O Brasil tornou-se um 'concorrente?
É uma questão que tem de ser desdramatizada. A verdade é que a internacionalização da língua portuguesa também passa pela música brasileira, a moda, o futebol, a economia, muitas outras presenças que significam uma presença derivadamente linguística e que são uma outra forma de fazer política de língua. Convém não esquecer o papel do Brasil na América Latina em matéria de difusão da língua, nomeadamente entre os países limítrofes, como o Uruguai, ou a Argentina.

O acordo ortográfico é indispensável
E o acordo ortográfico?
Foi excessivamente dramatizado em Portugal. O acordo é um instrumento ao lado de outros, que vale o que vale, não vai descaracterizar a língua, como se diz, mas vai significar alianças estratégicas, concentração de esforços.

Mas é fundamental para fazer a política de internacionalização do português?
É muito importante, e sem ele temos sempre uma fragilidade, vista do exterior, que é o facto de termos duas normas ortográficas oficiais. O que não acontece com o espanhol ou o inglês, que têm apenas variantes ortográficas.

O que nos conduziu a isso?
Muitas razões, entre quais a dimensão. Espanha: que aconteceu na América do Sul no principio do século XIX para cá? O domínio espanhol fragmentou-se numa série de repúblicas relativamente pequenas, ao passo que a presença colonial portuguesa deu lugar a um grande país. Ainda por cima, as respectivas metrópoles eram assimétricas, Espanha é quatro ou cinco vezes maior que Portugal. Espanha continua a ter um grande ascendente em todos os aspectos, a começar pelo económico, sobre as suas antigas colónias, Portugal não. Mais, Espanha soube ter ao longo dos séculos instrumentos reguladores que funcionam difusamente como instrumentos de política da língua. Já para não falar do mais antigo deles, a Real Academia de Ciências, e dos instrumentos normativos que ela produz, como o dicionário, que é respeitadíssimo entre o mundo que fala espanhol.


"O acordo ortográfico foi excessivamente dramatizado em Portugal"
Alberto Frias
E com o português?
As pessoas resistem a reconhecer que no domínio em que se trabalha a língua, a lexicografia, o domínio dos dicionários, o Brasil tem uma história incomparavelmente mais rica do que a nossa. O dicionário da nossa Academia só apareceu há meia dúzia de anos, sendo que o antigo, o do século XVIII, só se publicou um volume e nunca se completou. Era o volume referente à letra A, que terminava na palavra azurrar. Acabou por ser objecto de tantas críticas - dizia-se que o dicionário tinha ficado 'a zurrar', que numa edição seguinte teve de inventar-se uma palavra, azuverte. Em Espanha, existe uma ligação muito estreita entre a Real Academia e as suas congéneres sul-americanas, com muitas acções conjuntas. Isto dá um grande poder unificador ao espanhol, que apenas conhece variantes ortográficas, que estão dicionarizadas. Neste aspecto as nossas fragilidades são grandes e o acordo ortográfico é indispensável do ponto de vista de política de língua, por muitas reservas que se coloquem e eu próprio coloco algumas de ordem técnica.


Uma aliança com Espanha

Defende as alianças estratégicas. Está a pensar em Espanha?
Penso sobretudo no domínio universitário, nos departamentos em que se ensina português e espanhol e nas mais valias que se podem retirar de presença conjunta, dada a relativa afinidade dos dois idiomas. Isto é, é possível mostrar aos estrangeiros que quem aprende português, com alguma facilidade aprende também o espanhol e vice-versa. É muito prático. E porque não recorrer a economias de escala, alianças concretas que têm a ver com recursos, espaços, administrativos? E que poderiam permitir aprender alguma coisa do que se faz no Instituto Cervantes.

Porquê?
Dou um exemplo. O presidente do patronato do Cervantes são os reis de Espanha e dele faz parte também o primeiro-ministro. Todos os anos, a abertura solene é presidida pelos reis. Onde vemos isto aqui? O Prémio Cervantes tem uma repercussão considerável no mundo da língua espanhola, mas o nosso Prémio Camões só sai no rodapé das televisões e, no Brasil, é praticamente ignorado. Não há uma intervenção simbólica ao nível da mais alta magistratura da nação ou do Governo, que sublinhe a importância agregadora do Prémio, porque é essa a importância que ele tem. É preciso fazer sobre isto um trabalho político consciente, empenhado, com imaginação.

Os falhanços da política
Faltou-nos sempre uma política da língua?
Sim, e com continuidade. Há que encontrar almofadas de protecção que protejam as políticas da língua das mudanças de Governo e até de ministro! Para não se começar tudo de princípio de cada vez que muda o Governo. Porque se a política de língua é reconhecida como um desígnio nacional, não pode estar sujeita às oscilações e humores dos ministros.

Mas ainda não é reconhecida como tal...
Pode ser dita como tal, mas não há acções concretas que a reconheçam. Há lacunas e falhanços, a começar pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa, no âmbito da CPLP, por boas ou más razões. Estas questões são sempre um pouco melindrosas, mas não sei se não teria sido necessário escolher para sede daquele instituto, com todo o respeito por Cabo Verde, uma visibilidade mais efectiva, uma capacidade de intervenção, e até no plano doutrinário, mais efectiva.

Está a falar de um outro país?
Porventura.

Portugal, Brasil?
Porventura. É claro que isto tem melindres de outra natureza, mas temos de decidir se queremos fazer uma política da língua a sério, ou não.

A tarefa é de todos
Portugal consegue fazer uma política da língua sozinho?
Não, de todo. Se Portugal não trabalhar para trazer para esta causa os outros países, está condenada ao fracasso.

Tirando o Brasil, os outros países estão interessados? Nem o acordo ortográfico foi adoptado por todos...
Mas vai ser, há manifestações claras nesse sentido. Isso é outra coisa. Voltemos um pouco atrás, comparando com o caso espanhol, por exemplo. Quando é que se deu a descolonização de Espanha? 1898. No fim do século XIX, a Espanha, bem ou mal, tinha resolvido o seu problema colonial. Nós vivemos uma descolonização tardia e é natural que países como a Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Angola - que esteve em guerra durante mais de 40 anos - só agora comecem a dispor de instrumentos de intervenção no domínio da língua que demoram décadas a construir: universidades, academias, centros de pesquisa, académicos qualificados. É natural que seja assim. Têm outras prioridades e outras limitações, muitas das quais foram deixadas por nós, de resto.

Têm outras prioridades mas, agora, que despertam para o assunto, colocam problemas, nomeadamente quanto às ortografias, não?
Há essa questão. Pode dizer-se, de forma redutora, que nós em escrevíamos respeitando mais a etimologia das palavras, enquanto no Brasil se foi derivando para a forma como as palavras são ditas. É evidente que nos países africanos há injunções locais, cenários dialectais e linguísticos muitíssimo complexos, que podem levar a esses problemas de 'singularidades'. Mas eu lembro a opção clara de um grande líder africano, Amílcar Cabral, que fez da língua portuguesa a língua oficial, reconhecendo que, sendo o português a língua do colonizador, não era necessariamente uma língua colonizadora. Era um factor de unificação nacional, como aconteceu no Brasil e acontece em Moçambique e Angola, que sendo países muito grandes e de cenários complexos, o português funciona como língua veicular, permitindo que as pessoas se entendam. Nesses países, o português como língua materna subiu muito nos últimos 20-30 anos. Quando se esperava que ia desaparecer, confirmou-se a tese de Amílcar Cabral.

E quanto à política da língua?
Há uma contradição que tem de se saber resolver. Por um lado, diz-se que queremos uma comunidade muito alargada, chamada lusófona (um termo que embirro pela sua excessiva ligação à matriz portuguesa), que seja unificada por um idioma comum, falado por 200 ou 230 milhões de falantes. Mas, por outro lado, queremos valorizar as singularidades locais, a criatividade lexical e a riqueza linguística local. Mas a notícia, boa ou má, é que não podemos ter tudo. Se queremos um universo linguístico sólido, consistente e coeso, que não temos por agora, então temos de reconhecer essa qualidade ao português.

Mas pode haver um problema político com as elites de afirmação nacional...
Sim, e levar à paralisia e à fragmentação do português. Se é isso que se quer, muito bem, mas que se saiba o que se está a fazer. E tenhamos a noção que podemos chegar a uma situação tão estranha e contraditória como a que se passa hoje com Espanha. O espanhol é uma língua em expansão em todo o mundo menos na Espanha, porque tem a pressão dos idiomas nacionais. Por enquanto ainda vive bem com isso e viverá certamente, devido à sua larga presença internacional. Mas o português pode permitir-se isso? Os africanos têm a noção muito clara porque há hoje gente politicamente muito preparada nos países de língua oficial portuguesa de que seria muito mau para Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé ou Cabo Verde hostilizarem o português. Eles sabem isso.


"É hoje claro que o poder internacional de uma língua tem muito que ver com o lugar que essa língua ocupa nos EUA"
Alberto Frias
Foram eles que fizeram o grande esforço do ensino do português nos seus países
Absolutamente. E fizeram-no porque tiveram essa consciência.


O impulso português e o despertar brasileiro

Porque o actual impulso de internacionalizar o português?
Sem pruridos de correcção política, porque Portugal apercebeu-se que o Brasil tinha acordado para esta questão. É a minha explicação mais politicamente pragmática. Há outras razões, a beleza e riqueza da língua, as comunidades, o valor económico da língua, mas acho que há uma pressão do lado do Brasil e Portugal apercebeu-se.

A iniciativa brasileira da Universidade é vista com reticências?
Infelizmente e por diversas razões, nunca foi possível levar por diante no âmbito das universidades de língua portuguesa uma iniciativa desse natureza, uma universidade internacional de plataforma e consórcio entre grandes universidades. Chamava-se universidade virtual da língua portuguesa, porque funcionaria sobretudo através das tecnologias do ensino à distância. Há mais de 10 anos que se fala nisso, chegou a haver um esboço de projecto feito no Brasil, tivemos uma intervenção, mas nunca houve vontade através de política universitária de fazer isso a sério.

Porque Portugal não se entende com o Brasil para isto?
Não sei se é difícil, é preciso olhar para o Brasil como ele é. Uma das coisas que mais prejudica a nossa relação com o Brasil é a persistência de certos estereótipos. Um pouco como se para muitos portugueses o Brasil fosse um país óptimo para passar férias, importar jogadores de futebol e ver escolas de samba e, por outro lado, se ignorasse ou não se quisesse reconhecer coisas como estas: que em qualquer "ranking" de universidades mundiais, a primeira universidade de língua portuguesa que surge é a Universidade de S. Paulo e a segunda é a de Campinas. E a primeira portuguesa que aparece está muito distante destas - era a Universidade Técnica de Lisboa, no "ranking" que consultei. É preciso reconhecer isto sem dramatismos. É uma questão de dimensão. Tal como o é o facto do Brasil fabricar e exportar aviões para os Estados Unidos, ou que é auto-suficiente em matéria de petróleo.


Casos de sucesso: China, Africa, Espanha

O português está em expansão em África e na Ásia?
Há na África austral uma procura considerável e não temos tido capacidade de resposta para acudir a toda essa procura. E está também na Ásia, na China, por razões de natureza económica, em particular. Na China e não tanto em Macau, onde está em forte regressão. São zonas muito interessantes, tal como Espanha.

Na China porquê?
Razões de carácter instrumental, em grande parte. Os chineses sabem que é importante falar português para fazer bons negócios em África. De resto, também a presença chinesa em África é uma curva ascendente impressionante. Mas o ensino de português na China é feito sobretudo por brasileiros, não temos capacidade de resposta. O que é extraordinário num país em que existem centenas e centenas de professores de português no desemprego.

E para que isso se faça falta o quê? Um acordo com chineses? Meios?
Não sei se Portugal tem ou não dinheiro para sustentar professores na China, mas sei que é uma questão de opção política e que, se pomos dinheiro numas coisas, não há para as outras. A realidade é esta: há muitos professores de português no desemprego e não somos capazes de responder à procura. Se calhar, haveria alguns capazes dessa aventura.

E em África o português está em expansão porquê?
Pela presença de portugueses que viviam em Angola e sobretudo Moçambique e que derivaram para países da Africa Austral por causa da descolonização. E, em parte, porque o sul da África está enquadrado por dois grandes países de língua portuguesa, Moçambique e Angola. O trabalho que lá se está a fazer a nível de coordenação de português é notável, às vezes em cenários difíceis e mesmo hostis. O que nos foi dito é que maior fosse a nossa oferta, a procura está lá, à nossa espera, na Africa do Sul, na Namíbia. O que me leva a dizer outra coisa: em matéria de politica de língua para o estrangeiro não há só uma, há várias políticas, de acordo com os cenários, presenças, instrumentos que se convocam. A noção de política de língua é abrangente mas tem de ser desmontada, porque é uma na África Austral e outra em Espanha, e outra ainda nos EUA. É preciso ter em conta as contingências de cada cenário e também descentralizar um pouco o Instituto Camões.

Descentralizar o Instituto Camões?
Quero dizer que aquilo que tem de se decidir na Africa Austral, não tem necessariamente de vir a Lisboa, por exemplo. É um assunto para se ver com cautelas, mas talvez fosse de pensar em descentralizar um pouco a política de língua, tendo em conta os cenários locais. Não quero dizer criar um Instituto em Nova Iorque e outro em Pequim, mas há que encontrar estruturas de desconcentração que tivessem alguma autonomia para decidir "in loco".

Espanha é outro caso de expansão?
Por razões que têm a ver com a presença económica em Portugal. É nítido nas regiões transfronteiriças, onde há uma subida em flecha de alunos espanhóis a estudar português. Há um refrescamento da imagem de Portugal na Espanha. A presença de Luis Figo é extremamente importante para a refiguração do imaginário de Portugal e produz os seus frutos. É preciso saber tirar partido disso. Se se pensasse em criar mais escolas portuguesas, Madrid deveria ser uma séria candidata. Há portugueses em Espanha que o justificam e há interesse em Espanha numa escola com qualidade. O mesmo se diga de outros dois locais também importantes, política e simbolicamente: Paris e S. Paulo.

O poder americano
E nos EUA, como se dá o salto para que o português 'mude de estatuto'
Nos EUA é muito complicado, fez-se um trabalho de diligência politica, gastou-se muito dinheiro em trabalho de lobi, mas não se pode desistir. Depende muito das comunidades, mas às vezes também tem de se desligar o imaginário da língua do das comunidades. Se estas estão muito associadas a uma imigração pobre, não é bom para a difusão da língua e a sua afirmação internacional. O que as comunidades podem fazer é por os seus homens políticos a trabalhar para isso, e já há exemplos nos Estados Unidos. É hoje claro que o poder internacional de uma língua tem muito que ver com o lugar que essa língua ocupa nos EUA. Se ocupa um lugar de destaque lá, é um excelente cartão de visita, senão é mais complicado. O caso extraordinário de sucesso do espanhol deve-se muito a isso, embora não se excluam as razões de imigração mexicana e sul-americana, como é óbvio.

Em que se traduz o valor estratégico de uma língua?
Em muitas coisas. Negócios - uma língua e uma cultura podem abrir caminhos à economia, tornar o país conhecido, dar boa imagem, divulgar o que lá se faz e isso é um valor estratégico importante. Uma língua também ajuda a valorizar socialmente as comunidades que vivem no estrangeiro. Se conseguir impor-se na Internet, se produzir software educativo - é por aí que passa relação com o mundo - e já agora, olhando para dentro, se for bem ensinada no próprio país, se os seus cidadãos a falarem bem, se a pronunciarem bem. Não podemos falar apenas no valor estratégico e numa política de língua no estrangeiro, se não tivermos uma boa política da língua em Portugal.

É possível fazer-se essa política sem a cultura?
É missão impossível e absurda ensinar uma língua esvaziada de cultura. Portanto, tem de ser encontradas articulações interministeriais. É uma prioridade estratégica dita neste relatório, a concertação de esforços. Retomo uma ideia antiga de criar uma entidade que regesse a política de língua, e que devia ser supra-ministerial, porventura dependente do primeiro-ministro. Valorizaria politicamente a entidade e talvez ajudasse a resolver problemas das fracturas de quem intervém em quê

Quais são as conclusões principais do seu estudo?
Primeiro que tudo, há que dar continuidade a uma política de língua. Não se espere que um ministro crie um instituto e nomeie um presidente e daí a três anos dê frutos. Uma década é pouco. Segundo: é preciso ter em conta as boas práticas dos outros países e fazer análise comparativa mais afinada. Terceiro: atenção às condições locais. A política da língua não é única, nem rígida, nem igual para todos e para toda a parte. Quarto: apostar nos recursos humanos, formar professores para ensinar no estrangeiro, que é diferente do ensinar em Portugal - uma banalidade mas por vezes é preciso afirmar o óbvio. Quinto: as alianças, convocar outros esforços e outros países. A acção diplomática é fundamental para mostrar a Moçambique, Angola, Brasil que, no fundo, esta causa comum é de todos e todos beneficiamos dela. E, finalmente, é preciso esperar que a árvore cresça.

Versão integral da entrevista publicada na edição do Expresso de 5 de Julho de 2008, 1.º Caderno, página 20.


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