terça-feira, 28 de setembro de 2010

Igreja e Estado vivem em "união de facto"

O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza considera que a Igreja vive em "união de facto" com o Estado. O Pe. Jardim Moreira refere-se à posição passiva da Igreja que é receptora e gestora de apoios públicos em vez da generosidade ser "nascida e alimentada pela caridade e não pelo dinheiro do Estado".
Em entrevista ao DIÁRIO/TSF, Jardim Moreira disse que essa "união de facto é contra-natura" em que, a partir do 25 de Abril, "a Igreja tem vivido muito à sombra de subsídios do Estado" e, lembrou, "manda quem paga". Quando a separação de poderes dita que nenhum poder se submeta ao outro.

"Estamos num país em que se diz e se defende, quando convém, que há uma separação da Igreja do Estado. Quando não convém, fazemos aquilo que se condena na ética que é relações de facto. E temos Igreja/Estado de mãos dadas a fazer aquilo que, para um é barato, e a criar a imagem de que a Igreja faz. Mas faz com o que não é dela, faz com o que é do Estado", disse.

O sacerdote da Diocese do Porto (nas igrejas da Vitória e São Nicolau) "gostaria que a Igreja assumisse a sua missão autónoma, própria e por amor ao seu próximo, num gesto de partilha dos bens. Porque não é com o dinheiro que não é meu que vou criar fraternidade". Sob pena de se estar perante "um engano social", "uma burla" e não de um processo de "lealdade, de transparência, de respeito e de verdade".

"Não admito que se queira dar aos pobres por esmola aquilo que cada um tem direito por ser humano", disse. "Não é favor nenhum conceder os direitos a todas as pessoas", disse. E a dimensão da generosidade não tem sede nem ninguém se deve galantear por ela.

Para Jardim Moreira as estatísticas sobre a pobreza servem a quem as utiliza. Dependem da abordagem e do prisma. Contudo, as cifras da pobreza devem rondar os 18 a 20% da população portuguesa o que significa dois milhões de seres humanos. A Europa gera, por ano, um milhão de pobres. A classe média está sobreendividada (famílias à beira da insolvência), há "pobreza envergonha" e tudo isto, se não forem criadas "almofadas", degenerará em "tensões e violência". Veja-se o que se passa em França com a expulsão de ciganos (um "retrocesso sério nas políticas europeias") o que questiona o paradigma actual da União e o seu princípio da subsidariedade, o que, em linguagem corrente seria 'cada país trata dos seus pobres'.

As razões da crise e da pobreza são várias mas têm à cabeça o sistema capitalista neoliberal que desembocou na actual crise. "Os senhores da macroeconomia julgam e estão convencidos que são os salvadores do mundo", disse.

Para o sacerdote, a política baseada no dinheiro, no lucro, na globabilização económica, que secundariza o ser humano, conduz à ruína. "Isto não é ético, não é justo, não é digno", disse. E dá como exemplo mais recente as medidas do PEC que se viraram para os mais pobres em vez dos mais ricos. É verdade que havia "bandalheira" no recurso ao Rendimento Social de Inserção (RSI) mas não é justo nem "sensato" que se resolva o problema da dívida externa cortando na despesa social. "Acho que foi demagogia, erro e injustiça".

É que, se a generosidade não for "justa e por amor, humilha a pessoa" e não é fiel ao Evangelho. E, neste capítulo, a Igreja (e, em certa medida o chamado 'terceiro sector' -IPSS e centros sociais) têm "muito a rever". "A missão da Igreja é a caridade, é o amor gratuito, sem retorno, é a partilha dos bens gratuitamente", disse. "A solidariedade sem subsidariedade cai no assistencialismo e o assistencialismo oprime", rematou.

O Caso do Pe. Martins
Instado a pronunciar-se sobre a situação canónica do Pe. Martins Júnior, suspenso 'a divinis', Jardim Moreira disse que é tempo de reconciliação. Foi para reconciliar o Homem consigo e com Deus que Cristo encarnou. O Evangelho ensino o perdão. "Toda a instituição Católica, Cristã, tem a missão de ser, em primeiro lugar, instrumento de reconciliação, de fraternidade, de comunhão, onde ninguém se sinta marginalizado nem excluído por motivos ideológicos, litúrgicos, de injustiça, seja qual for", disse.

"A Igreja não pode esquecer o seu Mestre. E o Mestre apresenta-se como 'Bom Pastor' que vai atrás da ovelha perdida, seja ela quem for. E é preciso que todos aqueles que assumem ser colaboradores do 'Bom Pastor' dêem a vida pela ovelha perdida, vão ao seu encontro, peguem nela ao colo, que a tratem com carinho e que ousem justiça e perdão".


Saída do cónego martins da Sé: Denúncia só surgiu após conversa prévia
No início de 2010, Jardim Moreira esteve envolvido numa polémica com a Diocese do Funchal por ter denunciado pressões políticas exercidas sobre a Diocese que estiveram na origem da transferência do cónego Manuel Martins da Sé para Machico. Uma mudança ditada pelo facto do cónego da Sé ter falado na defesa dos pobres e das crianças.

Na altura, o Pe. Marcos Gonçalves, porta-voz da Dioceses negou a existência de pressões e afirmou que a saída do cónego Martins ficou a dever-se a razões pessoais e a um pedido feito pelo próprio.

A esta distância, Agostinho Jardim Moreira reafirma a existência de pressões políticas embora diga que não veio à Madeira para "atacar ou defender ninguém". E agora, como na altura, era a dignidade humana que estava em causa e a defesa dessa dignidade humana por um sacerdote "causou choques e conflitos entre instituições públicas e religiosas".

Jardim Moreira garante que falou previamente com o cónego Manuel Martins antes de denunciar o caso. "Só falei porque tinha a informação pessoal do Sr. cónego Martins. E só a partir dessa informação é que tive autoridade moral e ética para poder falar na televisão", disse.
Instado sobre se a justificação da Diocese do Funchal o convenceu, Jardim Moreira explicou que é fácil às instituições socorrerem-se de "jogos palacianos" (pedidos escritos formais) para "resolver conflitos".

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