quinta-feira, 13 de maio de 2010

Quando o cardeal Ratzinger desmontou o "segredo" de Fátima




Comentário teológico feito há dez anos


Há dez anos, quando João Paulo II decidiu desvendar o chamado terceiro segredo de Fátima, o seu braço direito, o então cardeal Joseph Ratzinger, foi chamado a redigir e publicar um comentário teológico sobre o mesmo. Nesse documento de 13 páginas, publicado no final de Junho de 2000, já depois de um primeiro levantar do véu feito ainda em Fátima, o agora Papa Bento XVI desmontou o documento escrito pela irmã Lúcia.



Ratzinger começava por avisar contra a ilusão dos que pensavam que o texto traria dramáticas revelações apocalípticas sobre o fim do mundo ou sobre o futuro da História. O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé dizia mesmo que os acontecimentos de Fátima se enquadram nas "revelações privadas", que a mensagem é apenas uma "exortação à oração", admitia apenas como "razoável" que João Paulo II se considerasse como protagonista da visão de Lúcia e referia-se sempre ao "segredo" colocando a palavra entre aspas.



Porquê tudo isto? No texto do segredo, falava-se de um bispo vestido de branco, que Lúcia teria pressentido ser "o Santo Padre", que atravessava "uma grande cidade meia em ruínas" e acabava morto "por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas". Quando, a 13 de Maio de 1991, o Papa João Paulo II foi baleado na Praça de São Pedro, o próprio leu o texto do segredo como sendo uma antecipação do atentado contra ele cometido.



Sem alusões ao comunismo



O cardeal Ratzinger desilude os que queriam grandes revelações: "Não é revelado nenhum grande mistério; o véu do futuro não é rasgado. Vemos a Igreja dos mártires deste século que está para findar, representada através duma cena descrita numa linguagem simbólica de difícil decifração." Uma referência aos mártires cristãos do século XX - período em que houve mais mortos por causa da fé do que em todos os séculos precedentes.



No texto também não havia qualquer alusão ao comunismo ou aos sistemas ateus, que chegaram a ser referidos em Fátima, a 13 de Maio, quando o cardeal Angelo Sodano fez a primeira apresentação do documento.



O "Comentário teológico" de Ratzinger situava depois o contexto histórico em que a vidente redigira o documento: a conclusão do "segredo", admitia o então cardeal, "lembra imagens que Lúcia pode ter visto em livros de piedade e cujo conteúdo deriva de antigas intuições de fé".



Ou seja, a linguagem da época - uma altura em que se falava das "perseguições" feitas ao Papa pelos soldados italianos, no contexto da unificação de Itália - explicava uma boa parte do documento, escrito pela vidente só 26 anos depois das aparições - ou seja, em 1944.



Protagonismo relativizado



Ratzinger era claro, ainda, acerca do sentido dos acontecimentos de Fátima: a revelação cristã ficara "concluída com Cristo e o testemunho que d"Ele nos dão os livros do Novo Testamento vincula a Igreja com o acontecimento único que é a história sagrada e a palavra da Bíblia", escrevia o cardeal.



O próprio protagonismo que João Paulo II pretendia ter no documento era relativizado e alargado aos vários papas, "que partilharam os sofrimentos deste século" XX. Perguntava o cardeal Ratzinger: "Na visão, também o Papa é morto na estrada dos mártires. Não era razoável que o Santo Padre, quando, depois do atentado de 13 de Maio de 1981, mandou trazer o texto da terceira parte do "segredo", tivesse lá identificado o seu próprio destino?"



Na sua interpretação do texto, Ratzinger inspirava-se na doutrina católica mais tradicional que assume a ideia de que Deus criou o Homem como um ser livre e não intervém na história como um mago: "Acção de Deus, Senhor da história, e corresponsabilidade do Homem, no exercício dramático e fecundo da sua liberdade, são os dois alicerces sobre os quais se constrói a História da Humanidade", dizia na apresentação do documento.



Além das perseguições "ao Santo Padre", o texto da irmã Lúcia utilizava outras expressões próprias do tempo: anjos, espadas de fogo, inferno, reza do terço, devoção ao Coração de Maria, comunhão dos primeiros sábados do mês. Mas o próprio João Paulo II afirmara, em 1999, que o inferno não era um "lugar físico", mas sim a "ausência de Deus" - o que também retirava fundamentação às expressões utilizadas por Lúcia para descrever as suas visões.

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