domingo, 28 de fevereiro de 2010

Decifrai o procurador, Diogo Freitas do Amaral, in Visão

Congratulo-me por terem finalmente conseguido uma entrevista do sr. procurador-geral da República, que há muito se impunha. Infelizmente, a linguagem utilizada pelo PGR é algo cifrada e não inteiramente clara. Vou procurar decifrá-la para os leitores da nossa revista.

1) HOUVE OU NÃO CRIME de «atentado ao Estado de Direito»? O PGR diz que não houve, porque faz uma interpretação restritiva do conceito: para ele, só existiria tal crime (ou os respectivos actos preparatórios) se houvesse indícios de «factos adequados a pôr em causa [na sua totalidade] o Estado de Direito, apontando para a sua destruição, alteração ou subversão. E esses factos não existem».
Quer dizer: o PGR não encontrou, nas escutas que ouviu, «quaisquer indícios» de um plano para substituir a democracia por uma ditadura. Ainda bem! Creio que ninguém estaria à espera de que encontrasse isso. O que é discutível - no plano teórico - é se esse é o conceito legal de «atentado ao Estado de Direito». Não caberá neste conceito a tentativa de controlar meios de comunicação social privados? Ou, pelo menos, a de silenciar as vozes mais criticas e contundentes? O ponto é controverso, mas ficamos todos a saber a opinião que sobre o assunto tem o actual PGR.

2) QUE FACTOS OU INDÍCIOS foram apurados pelo PGR? Diz-nos ele, com toda a clareza (e se descontarmos os «eventuais» e os «hipoteticamente», que terão existido «propostas, sugestões, conversações sobre negociações» no caso em apreciação [o projecto de compra de uma posição accionista pela PT na TVI]. Três palavras importa destacar: «propostas» e «sugestões» acerca de «negociações» em curso. Estes factos existiram, mas - segundo o PGR - não correspondem a um «atentado ao Estado de Direito». Mas atenção: diz o PGR que esses factos «poderão ter várias leituras, nos planos político, social ou outros». Quer dizer: podem ser considerados, por uns, como politicamente legítimos ou compreensíveis e, por outros, como reprováveis no plano político. Porquê? O PGR não o diz, mas presume-se que poderão ser tidos como limitações pontuais (repetidas?) da liberdade de expressão, na sua modalidade de «liberdade de criticar os governos e os governantes».
O PGR tem, pois, razão ao dizer que «neste momento» o caso das escutas, na Face Oculta, «é meramente político». Só o é, porém porque o PGR optou por uma interpretação muito restritiva do conceito de «atentado ao Estado de Direito». Até ele o fazer, o caso era essencialmente jurídico.
Tal caso passou do mundo do Direito para o mundo da política, pura e simplesmente, por meio de uma decisão jurídico-política do PGR.
Em meu entender, a Assembleia da República tem competência para discutir e apreciar, politicamente, essa decisão do PGR.

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