quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Carta do colono José da Purificação ao Blandy


Para ser um bom colono de vocência, sou um resignado. Deus nos livre se vem para aí qualquer «Madeira Nova» trocar isto tudo!








Amecê desculpe, mas disseram que era ao sr. Blandy que eu tinha de pedir licença para usar umas casas em Porto Santo, que a lei permite e a Provedoria de Justiça até fixou os termos depois de uma queixinha daqueles senhores do partido da mãozinha – que dizem também estar ao serviço de vocência – queixinhas como uma tal pide.
Mesmo sendo de lei eu poder usar a casa, disseram-me que estávamos na «Madeira Velha», e que portanto era a família de amecê que manda no senhor governo.
Aqui na freguesia, a gente sabe que o senhor governador, mandado de Lisboa e que nomeia os senhores presidentes das Câmaras, quando precisa de ouvir os Sábios conselhos de vocência, não chama o sr. Blandy, mas vai pela sombra, na rua da Alfandega, pedir para ser recebido por amecê.
Se vem aí a «Madeira Nova» e se alteram estes bons hábitos...credo, que desgraça, já não haverá respeito por quem tem sangue inglês!...
Aliás, os conselhos no escritório do Senhor, foram bons para se acabar com as casas bancárias que, veja-se o atrevimento, até havia madeirenses a querer ser banqueiros!...Assim, o dinheiro no Banco de vocência ficou mais seguro, e os despojos desses coitados foram muito bem adquiridos pelos Senhores, pois isto de ser rico não é para os madeirenses, o destino entregou bem a vocências.
Embora, cuidado, parece que ultimamente amecê tem uns sócios madeirenses, embora eles disfarcem bem em se fazer de esquerda e ao trabalhar para a política de Lisboa, o que, assim, já não parecem madeirenses.
Também ouvi dizer que amecê não quer autorizar as casas do Porto Santo, porque quer comprá-las ao desbarato para ir para lá com os tais socialistas ricos e fazer daquelas festas em que as senhoras, repimpadas, vão se mirando umas às outras. E que também não quer deixar outros irem para as tais casas de Porto Santo, porque aquele comunista e antigo padre do seu diário e que faz o que o feitor de vossa senhoria manda – um Câmara, parece – esse rabissado é um poço de invejas, quem o aturar apanha olhado roxo.
A inveja em cima de Si, tem sido uma desgraça!... Amecê, maior accionista da Moagem, conseguiu o monopólio ao Dr. Salazar, e não é que uns invejosos fazem a revolução da farinha, que os Governos inglês e de Lisboa até mandaram barcos de guerra.
Ainda bem que tudo voltou à santa paz da alma e que os revolucionários contra o pão caro – há que sofrer...- foram degredados para o Tarrafal e outros lugares de África.
Agora só faltava a essa gente invejosa criticar vocência por não ter posto água e luz nas furnas ali para S. Gonçalo, cuja renda vem sempre aumentando com justiça.
O senhor que me empreste a casa do Porto Santo, que eu prometo ajudar a vender aquele seu jornal que só diz mal e que dizem ter sempre a data do primeiro de Abril, todos os dias, porque aquilo é só pêtas.
Mas também tem de se perdoar, pois os pobres diabos que fazem aquilo, não veem bem, não têm luz, nem água, nem em casa, nem no diário, são iluminados por petromax, não são como o sr. Blandy que merece todos esses confortos.
O dinheiro que outro monopólio, o do sr. Hinton, me dá pelas caninhas que ele faz o favor de pesar na sua própria balança depois de eu esperar três noites debaixo do camião, fazendo os precisos por ali, não dá para ter esses confortos.
Para ser um bom colono de vocência, sou um resignado. Deus nos livre se vem para aí qualquer «Madeira Nova» trocar isto tudo!
Mas, mesmo que viesse, eu sei que amecê, com o seu diário e aqueles infelizes sempre zangados que lá estão, com os seus feitores e com os seus sócios ricos do partido da mãozinha, haviam de procurar lhe dar a volta!...
Por isso, humilde e obediente colono que sou, acho merecer a autorização para ir para as casas do Porto Santo. Não ligue aos invejosos do tal seu diário e tire-lhes da cabeça aquela maluqueira de pensarem que mandam nisto.
Quem manda, é o senhor dr. Salazar e o sr. Blandy!
E a Madeira tem de obedecer.
Peço desculpa de algum erro, mas é que este nervoso de escrever um pedido a vocência, faz-me muitas interrupções, porque tenho de ir arriba dos pés, ali ao poio, várias vezes.
Não lhe entreguei esta carta na Sua casa, apesar de saber que tinha de estar de cabeça descoberta e com botas novas. Como comprei umas velas e outros produtos de plástico para pôr no palheirinho onde vivo, entreguei logo este bilhetinho ao sr. Câmara.
Fiquei mais descansado, porque assim, primeiro, ele dá a carta a ler ao advogado do amecê, o dr. Custódio da Venda – acho que nada é àquele senhor das mercearias, do CDS, ainda bem porque aquilo não corre nos conformes – advogado que corrigirá para o que vocência tiver a bondade de ler.
Desde já obrigadinho se me deixar ir para as casas. E se não fôr essa a Sua vontade, deixe estar que eu não digo mal da «Madeira Velha».
O Seu colono respeitoso

José da Purificação

Nenhum comentário: