quarta-feira, 2 de junho de 2010

Homenagem de Maria José Morgado a Saldanha Sanches



Despedida eterna

Zé Luis: começámos esta tua última viagem (tu gostavas de viagens) na
cama 56 dos serviços de cirurgia 1 do Hospital de Santa Maria. Lia-te
poesia e um dia parámos neste poema da Sophia de Mello Breyner:
”Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A Força dos teus sonhos é tão forte,
Que tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias”.
Assim foi.
No teu visionário e intenso mundo, a voracidade de um cancro traiçoeiro
não te consumiu a alegria, a coragem, a liberdade.
Entraste pela morte dentro de olhos abertos. O mundo que habitavas era
rico de ideias, de sonhos, de projectos, de honradez e carinho.
Percebemos o que ia acontecer quando no fundo do teu olhar sorridente
brilhava uma estrela de tristeza. Quando te deixava ao fim do dia na
cama 56 e te trazia no coração enquanto descia a Alameda da Cidade
Universitária a respirar o teu ar da Universidade, das aulas e dos alunos
que adoravas, do futuro em que acreditavas sempre.
Foste intolerável com a corrupção, com os cobardes e oportunistas. Não
suportavas facilidades. Resististe à sordidez, à subserviência, à canalhice
disfarçada de respeitabilidade e morreste como sempre viveste - livre.
Uma palavra para aqueles que te acompanharam nesta última viagem:
para os melhores médicos do mundo, para as melhores equipas de
enfermagem e de apoio, num exemplo de inexcedível dedicação ao
serviço médico público. Vivi com emoção diária o carinho com que te
cuidaram.
Uma palavra de gratidão sentida para o Professor Luis Costa e para o
Paulo Costa. E para um velho amigo de sempre o Miguel.
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Também para Laura e para o Jorge e para a minha mãe e toda a família
que nunca te deixou.
Por fim uma palavra para aqueles amigos que inventaram uma barricada
contra a morte no serviço de cirurgia 1, cama 56, e te ajudaram a escrever,
a pensar, a continuar a trabalhar: o João Gama, o João Pereira e senhor
Albuquerque, cada um à sua maneira.
Suspiraste nos meus braços pela última vez cerca da 1,15 da madrugada
do dia 14 de Maio.
Vai faltar-me a tua mão a agarrar na minha enquanto passeávamos e
conversávamos.
Provavelmente uma saudade ridícula, perante a força do exemplo e da
obra que nos deixaste e me foi trazido por todos aqueles que te
homenagearam – a quem deixo a tua eterna gratidão.
Tenham a coragem de continuar.
[16.05.2010 - Maria José Morgado]

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