sábado, 19 de junho de 2010

Lanzarote, uma casa não é uma pátria


Em 1993, zangado com o País, o escritor mudou-se para as Canárias. Encontrou a paz que procurava, mas regressava sempre a Portugal. "Continua a ser a minha terra..."

"Ainda acabo por me ir embora, como tantos outros", desabafava José Saramago numa entrevista, em Maio de 1992, depois de saber que o seu nome tinha sido riscado, pelos governo português, da lista de candidatos ao Prémio Literário Europeu. Antes da polémica, o escritor tinha andado, com Pilar, à procura de casa em Mafra. Queria sair de Lisboa e achou que ali, junto ao convento que tanto o tinha inspirado, encontraria a paz que desejava. Mas, pouco depois, mudava de rumo. E de País.

Em 1993 instalou-se em Tías de Fajardo, em Lanzarote, ilha vulcânica de terra preta, poucas árvores, muito mar. Um quase deserto silencioso e solarengo, onde o casal construiu a sua A Casa, nome colocado em azulejos no muro branco. "Resolvemos baptizá-la assim, se calhar pela minha necessidade de espetar uma pequena bandeira portuguesa, foi a afirmação da minha origem", explicou o escritor ao DNA em 1999.

Deixou Portugal zangado, isso foi claro, embora afirmasse, repetidamente, que não guardava "azedume nem ressentimento contra o país". Apenas contra algumas pessoas. "Continuo a 'gostar do que Portugal fez de mim'. Do que não gosto é do que se está a fazer em Portugal...", comentava ao JL, em 1994, por ocasião do lançamento do primeiro volume dos Cadernos de Lanzarote, aquele em que se perguntava: "será Lanzarote, nesta altura da vida, a Azinhaga recuperada?"

Sim e não, pois fazia questão de dizer, a cada entrevista, que, apesar da distância a sua pátria era ainda Portugal. Em 1998, após o Nobel, ao DN: "Eu sou de onde sou. Sou de onde nasci, dou da língua que falo, sou da história que o meu país tem, sou das qualidades e dos defeitos que nós temos, sou dos sonhos e das ilusões que são nossos, ou foram ou vão ser. É daí que eu sou, é aí que eu pertenço. O que há na relação de Espanha comigo é uma grande generosidade. Eles receberam-me como se eu fosse um deles. A pátria é em Portugal, o lugar da raiz e da consciência. Mas eu tenho a sorte de ter uma espécie de país aumentado. Que se prolongou até esta ilha."

Em Lanzarote, ao lado da mulher que amava e dos três cães vadios que entraram para a família - Pepe, Greta e Camões, o único que sobrevive e que tem este nome porque chegou precisamente no dia em que o escritor ganhou o Prémio Camões - Saramago encontrou o seu lugar. Mesmo continuando a ter uma casa em Lisboa, onde regressava sempre. "Eu poderia voltar a este país, e poderia nele viver e escrever, mas não tenho motivo para regressar. Estou bem onde moro", confessava.

"Como se este mar, estas paisagens me tivessem feito recuperar a antiga impressão de permanência (de lentidão pelo menos) que todos tivemos na infância, quando os dias e as estações pareciam não querer acabar. A cada momento, a razão diz-me que o tempo passa, e mais rápido agora do que nunca, mas, como fiz escrever na contracapa do livro [Cadernos de Lanzarote], conto os dias pelos dedos e encontro as mãos cheias. Este diário não é um sinal de guerra, mas de paz comigo mesmo."

? José Saramago construiu em Lanzarote a sua casa e encontrou em Espanha uma pátria "de acolhimento".

1. A paisagem vulcânica de Lanzarote conquistou o escritor

2. Saramago e Pilar, em casa, em 2007

3. A Casa - um nome português para uma moradia nas Canárias

4. O casal recebeu vários cães na sua casa

5. Em 2009, recebeu das mãos da princesa Letizia o prémio de Amigo das Crianças

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