segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O PAPEL DA ESCOLA PÚLBICA NUM PROJECTO DE ESQUERDA, À ATENÇÃO DO FARPAS

Nota: A transcrição do artigo não significa a total concordância com o seu conteúdo.

A perversa construção do mercado na educação
por João Rodrigues, Publicado em 31 de Agosto de 2009


O alargamento recente do ensino obrigatório até ao 12.º ano pode ser posto em causa pelo desvirtuamento que tem sido feito da escola pública

Na semana passada, o ultraconservador Presidente da República lá promulgou o diploma que alarga a escolaridade obrigatória para o 12.o ano. No entanto, esta generosa aposta, apoiada por toda a esquerda, pode ser posta em causa pelo desvirtuamento e pela crise da escola pública, que continua a ser a instituição indispensável para assegurar a democratização do ensino em condições de igualdade.
O ataque à dignidade, à autoridade e ao estatuto dos professores através, entre outros, de um modelo burocrático de avaliação calibrado para os desmotivar tem sido justamente destacado no debate público.


No entanto, a fragilização dos docentes inscreve-se numa política mais vasta que é tão coerente quanto pouco debatida: trata-se de substituir a lógica cooperativa dos mecanismos democráticos de gestão colegial pela lógica do comando empresarial, na figura de um director todo-poderoso, associada à perversa promoção da concorrência entre escolas.


Esta última é favorecida pela crescente municipalização do ensino público no nosso país. A escola tenderá a ficar refém de directores pouco escrutinados e da lógica clientelar de muitos municípios. Em conjunto, terão, no futuro, poder para contratar e despedir pessoal docente e não-docente cada vez mais precário. Juntem a isto o crescente peso do ensino privado, promovido pelo escandaloso aumento do financiamento público directo (que passou de 30 milhões de euros em 2000 para 221 milhões em 2007) e pelos regressivos benefícios fiscais às despesas privadas em educação, ou os pouco informativos rankings de escolas que, apesar de se prestarem a todas as manipulações, captaram o imaginário social.
Estão assim reunidos alguns dos ingredientes para uma receita de desastre feita de incentivos à selecção e exclusão dos alunos pelas escolas públicas, imitando as práticas das escolas privadas, de acordo com o capital económico e cultural das famílias, determinante no sucesso escolar, ou com as necessidades dos alunos. O reforço da uniformização das escolas - escolas para ricos e escolas para pobres -, num país desigual e com taxas recorde de pobreza infantil, será imparável. A qualidade do ensino e dos desempenhos degradar-se-á à medida que as relações cooperativas se tornarem mais difíceis numa escola obcecada pelo controlo, pela mensuração intrinsecamente redutora e pela concorrência.
A esquerda que defende a escola pública democrática, exigente e de qualidade terá de ser capaz de reverter este processo. Podemos começar com simplicidade: acabar com o financiamento directo e indirecto ao ensino privado.

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