quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pontos críticos da CPLP, Adriano Moreira


O mais oportuno é tentar enunciar os pontos críticos e escutar o diálogo construtivo sobre as respostas sustentáveis.
Os valores que orientaram a criação da CPLP [Comuni-dade dos Países de Língua Oficial Portuguesa] estão assumidos pelas soberanias envolvidas, as declarações de confian- ça no futuro da organização são frequentes, mas a evolução da ordem internacional, hoje de contornos imprevistos, também suscita dúvidas e hesitações sobre a mais viável definição de um conceito estratégico e ainda sobre a capacidade de reunir os recursos exigíveis para acom- panhar com êxito a referida acidentada evolução.

Talvez, nesta adiantada hora da vida da CPLP, a contribuição mais oportuna seja a de tentar enunciar os pontos críticos da conjuntura e escutar o diálogo construtivo sobre as respostas sustentáveis. Não será posta em dúvida a natureza de instituição baseada na igualdade dos Estados participantes, uma das exigências irrenunciáveis de um projecto viável de reorganização da governança mundial. Mas esta igual dignidade não é incompatível com lideranças destacadas, porque estas se apoiam em autoridade reconhecida, e não em poder imposto. Talvez os exemplos não sejam numerosos, mas seguramente a história da NATO, longa de cinquenta anos até à queda do Muro de Berlim em 1989, parece servir de paradigma. Temos por comprovada, e não posta em causa, a adesão de todos os Estados membros ao referi- do paradigma, condição irrenunciável de bom funcionamento interno, mas tam- bém exemplo para os regionalismos de vários sinais que se vão multiplicando pe- las diferenciadas regiões do mundo globalizado.

Uma das circunstâncias da CPLP, que exige meditação e resposta ponderada, é a da múltipla pertença de cada um dos Estados membros a organizações internacionais especializadas por objectivos, ou, o que mais interessa neste caso, pelas regionalizações que se multiplicam. Portugal serve imediatamente de exemplo, porque pertence à União Europeia e pertence à NATO, as duas pertenças mais significativas para a temática da CPLP. Justamente o Brasil tem o mesmo tipo de desafio, neste caso implicando inevitavelmente com a liderança pressentida. Este exemplo da múltipla dependência encontra-se evidente na necessidade que Moçambique teve de se ligar à comunidade britânica, olhando à sua natureza de país de serviços que o ligam às exigências dos territórios que se foram tornando independentes no corredor que os ingleses abriram do Cabo ao Cairo. Esta múltipla dependência dos Estados da CPLP é um desafio para elaborar políticas coerentes sem experiência passada, em vista de um futuro sujeito a condicionamentos de terceiros, futuros abertos a uma complexidade que torna frágeis todas as prospectivas.

A língua aparece como elemento estrutural na própria designação do grupo, e sem dúvida tem a natureza de elemento estruturante fundamental do património imaterial que todos comungam. Recentemente, a questão do Acordo Ortográfico provocou divisões nas elites mais responsáveis, uns aprovando a orientação que dirige para a unidade que o Acordo consagra, outros rejeitando. Tem- -nos parecido que o bom conceito é o de aceitar que a língua não é nossa, também é nossa, e que a questão ortográfica não é a mais importante nem a mais exigente de confrontos.

O mais importante, parece-nos, é que a língua tem uma circunstância que afecta todos os povos que a adoptam, a qual se traduz no facto de a língua não ser neutra: transporta valores, que inspiram o tecido cultural da população, e também o diálogo convergente das respectivas soberanias nos foros internacionais onde todos falam com todos, como é o caso da ONU.

Falta assumir suficientes responsabilidades governamentais pela coordenação e por recursos para dar consistência às obrigações nacionais assumidas, com evidência na área da preservação, implantação, difusão da língua estruturante do tecido cultural de cada comunidade, deixando tranquilas no seu trabalho as instâncias seculares que se ocupam da ciência da língua e das artes que usam a língua, instâncias que apenas lentamente serão reproduzidas nesses países recentemente chegados ao diálogo internacional em liberdade.

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