quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Maria, há um microfone atrás daquele quadro, João Miguel Tavares


Cavaco não é parvo. Nem acredita que Elvis esteja vivo. Por isso continua calado sobre a história das escutas.No campeonato das teorias da conspiração, a história das escutas no Palácio de Belém é a coisa mais mal engendrada que eu já ouvi desde a tese "o Elvis está vivo e foi raptado por extraterrestres". Mesmo para quem se habituou à costela Oráculo de Delfos que montou tenda no Palácio de Belém, com o Presidente-pitonisa - ou algum dos seus anónimos sacerdotes - a emitir umas frases cabalísticas cujo real significado é depois longamente debatido na comunicação social, a história das escutas é mais absurda do que as profecias gregas escondidas nos ossos de frango.

A primeira notícia sobre o tema citava um "membro da Casa Civil da Presidência da República" indignado por dirigentes do PS terem acusado assessores de Cavaco de participarem no programa eleitoral do PSD. Declarava o "membro" ao jornal Público: "Como é que os dirigentes do PS sabem o que fazem ou não fazem os assessores do Presidente? Estamos sob escuta ou há alguém na Presidência a passar informações? Será que Belém está sob vigilância?" O País inteiro entendeu a pergunta como sendo retórica: o "membro" não estava a questionar mas a afirmar. A Presidência da República vigiada - oh, o horror. Talvez algum secretário de Estado tivesse espalhado microfones pelo soalho. Talvez Júlio Pomar tivesse trocado os olhos de Mário Soares por duas microcâmaras quando lhe pintou o retrato. Quem sabe se algum dos mordomos do palácio não terá tirado Engenharia Civil na Independente. Perante uma boa teoria da conspiração, o céu é o limite.

E, no dia seguinte, o Público voltava à carga com uma prova arrebatadora da conspiração em curso: há ano e meio, um adjunto de Sócrates - o agora imortal Rui Paulo Figueiredo - viajou inesperadamente para a Madeira na comitiva presidencial, violou regras protocolares sentando-se em mesas a que o seu rabo plebeu não devia ter acesso e, imagine-se, conversou com "alguns jornalistas". Eis um comportamento digno de um espião sofisticado. Confrontado com a figura maviosa de Rui Paulo Figueiredo, foi com certeza aí que o "membro da Casa Civil" terá concluído: "O Presidente está a ser vigiado!" E de seguida encomendou pela Amazon a obra completa de John le Carré.

São todos estes factos altamente substanciais que o País anda a discutir com entusiasmo há uma semana, enquanto clama por uma reacção de Cavaco Silva. Mas meus caros: reagir a quê? Cavaco comentar tais notícias seria o mesmo que emitir opinião sobre os girassóis de três metros que crescem no Entrocamento. E correr, neste preciso momento, com o seu "membro" falador seria o mesmo que admitir que tinha um maluquinho à solta pelos jardins de Belém. Cavaco não é parvo. Nem acredita que Elvis esteja vivo. Por isso continua calado. À espera que o ovni passe.


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