domingo, 23 de agosto de 2009

Em excelente artigo de opinião, Júlia Caré fala da responsabilidade das autarquias no combate aos incêndios


Júlia Caré
Ao rubro
54-0 combina mais com outras latitudes tantas vezes invocadas como exemplos de ditadura, totalitarismo, passadismo.
Data: 23-08-2009

1. A mancha de coberto florestal da parte alta de Santa Cruz e de Gaula está pintada de castanho e negro, fruto do incêndio que nos finais de Julho sobressaltou mais uma vez, as populações locais. Um déjà vu de outros grandes sinistros nestas localidades, em Verões anteriores: A angústia e desespero dos que vêem o fogo aproximar-se, ameaçar vidas e consumir bens, o trabalho de uma vida; a exaustão de dezenas de bombeiros, madrugadas adentro de vigília e combate tenaz às chamas. Para não falar do risco de vida, do desgaste de materiais, combustível e viaturas, bem como dos danos ambientais. Bem se pode falar do "dever" inscrito na lei, de limpar o mato seco nos terrenos circundantes às habitações. É claro que isso acontece na maioria dos casos, quando esses espaços pertencem aos respectivos donos. O problema reside nas extensões de coberto florestal abandonadas, onde as espécies infestantes se multiplicam perante a indiferença dos donos ausentes. Acredito que muitos não terão também capacidade e meios de, por si só, o fazerem. Reconheça-se, por outro lado, haver negligência de responsáveis autárquicos, no acautelar a prevenção. Uns e outros limitam-se a ignorar a lei e a deixar andar, confiando na sorte e na providência divina, o sentimento nacional. Ainda não conseguimos convencer-nos de que o nosso estilo de vida mudou, na relação homem natureza e no aproveitamento da vegetação, hoje ao abandono, obrigando a uma necessária alteração dos nossos comportamentos no que à preservação e conservação do ambiente diz respeito. O calor estival e o vento leste não são os únicos culpados dos incêndios.

É complicado entrar numa propriedade para cortar mato, que ameaça incêndio e a segurança das habitações, sem permissão do respectivo dono. Para os cidadãos com casas em zonas de risco, resta muitas vezes o credo na boca, naqueles dias de canícula, em que o vento leste sopra e o mato estala, ávido de uma fonte de calor para incendiar. É inaceitável a morosidade e burocracia que envolve o processo de limpeza de terrenos, mesmo quando se consegue a anuência do respectivo proprietário. O requerimento tem que andar de Anás para Caifás, da Câmara Municipal para a Direcção Regional de Florestas e destes para os Guardas florestais da zona. Que precisarão (?) por sua vez, da caderneta predial do terreno a limpar e do número de contribuinte e de bilhete de identidade do proprietário. Acrescente-se ainda a questão que não é de somenos importância, de quem paga a limpeza dos terrenos! Se alguém não está a ver a dimensão do problema, não é o titular da habitação em risco. 2. Só pode ser fruto da época estival em curso. 54-0 a favor do partido maioritário na região, seria para um candidato, o melhor resultado referente às Juntas de Freguesia, nas próximas eleições autárquicas. A ser assim, questiona-se a necessidade de um acto eleitoral, o momento alto de qualquer regime democrático. É que democracia quer dizer pluralismo, diversidade partidária. O contrário já nós tivemos durante mais de quarenta anos no país. E não havia eleições autárquicas. Os ditos eram nomeados e o povo não era chamado a pronunciar-se nas urnas, como agora. 54-0 combina mais com outras latitudes tantas vezes invocadas como exemplos de ditadura, totalitarismo, passadismo. Países com regimes políticos de partido único, onde também há eleições.

Não há regime democrático sem eleições, mas é preciso mais do que o ritual do escrutínio periódico para se falar de democracia. Amin Maalouf, no ensaio As Identidades Assassinas, diz que "a maioria nem sempre é sinónimo de democracia, de liberdade e de igualdade: por vezes ela é sinónimo de tirania, de sujeição e de discriminação." Acrescenta também que "para que um escrutínio tenha sentido, é preciso que o voto de opinião, o único que terá uma expressão livre, tenha substituído o voto automático…" e "o que é sagrado, na democracia, são os valores, não os mecanismos." Uma leitura que se aconselha para se entender a importância do respeito pela diversidade, a aprendizagem da tolerância, valores essenciais em democracia. 3. Uma jovem violada, não pôde ser sujeita aos exames periciais destinados a incriminar o alegado violador, precisando estar à espera cerca de doze horas, sem se poder lavar, ou beber água, porque por ser Agosto, só há três técnicos de serviço para o país inteiro e ao que parece não trabalham à noite. Os restantes (quantos?) estão de férias. Choque de direitos: qual o que tem maior peso? O direito social dos técnicos às férias, (em Agosto) ou o direito humano(itário) dos cidadãos à dignidade, à saúde e à justiça, a qualquer hora?.

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