quarta-feira, 14 de maio de 2008

ACORDO ORTOGRÁFICO - De facto, qual é a questão?, Miguel Luís da Fonseca

Quando Fernando Pessoa disse "A minha Pátria é a Língua Portuguesa", e ""a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida" ainda havia quem escrevesse assim em Portugal: "assumpto, mythologia, litteratura, differença, anno, lyrica, belleza", justamente porque se opunha à reforma ortográfica de 1911 e achava que era mais "bella" a ortografia anterior a essa reforma. Quem quiser seguir Pessoa, que o faça, é legítimo.

E já agora, sem contestar o seu direito à discordância, a articulista Raquel Gonçalves já leu o novo Acordo Ortográfico, nos seus aspectos essenciais, que se limita a concluir, do ponto de vista estrutural e fonético, o acordo de 1945, onde caíram todas as consoantes ("c" e "p") nos casos em que eram invariavelmente mudas nas pronúncias portuguesa e brasileira (adjuncto, adstricto, aqueducto, absorpção, esculptor, práctica...)?. Acredito que sim, que leu. Mas então já sabe. É que, de facto, no novo acordo, pode continuar a usar fato português, terno brasileiro e facto real, passe a redundância.

E o que é realmente impressionante é a forma como se discute alguns assuntos em meios de comunicação social, às vezes sem a necessária argumentação, que neste caso deve incluir a componente científica, com um simples texto opinativo baseado em meros trocadilhos e, sobretudo, muitas vezes, sem o conhecimento e o estudo que estas coisas requerem. E sou a favor. E sou contra. E porque sim. E porque não. O Diário de Notícias sabe a audiência que tem, deve assumir as suas pesadas responsabilidades. O texto publicado ontem sobre o acordo vai no bom sentido. Seria bom que continuasse com maior divulgação do Acordo e com a continuação do debate dos que defendem o novo Acordo e dos que se lhe opõem, com base em argumentos que não podem dispensar a componente científica, além de outros, de que o mero gosto pessoal não pode ser ignorado - porque se trata também disso, de uma questão estética, obviamente, mas está longe de esgotar o problema. (Eu, por exemplo, que sou radicalmente a favor do acordo, por razões essenciais que já aqui expliquei, ainda tenho uma preferência estética por "acto" e até mesmo por "baptizado", mas entendo que não deixará de ser um "ótimo batizado" nem lhe faltará a água benta se lhe cair o "p", permita-se-me também o trocadilho, que, aliás, tanto aprecio, com conta, peso e medida. Pessoa achava também que o "myto" era mais forte que o "mito", mas nem por isso a mitologia se perdeu no nevoeiro sebastianista e pessoano). De contrário, estaremos perante posições meramente enquistadas e subjectivas mas sem discussão do essencial. E, o que é pior, a induzir em erro, por mero desconhecimento daquilo de que se fala, a fazer afirmações temerárias, como aquela de que o "h" inicial desapareceria, já aqui erroneamente dita, numa situação de desconhecimento que não permite o debate com equidade. Daí a necessidade de divulgar o Acordo Ortográfico nas suas componentes essenciais. P.S. - a palavra "húmido" continua a admitir duas grafias, com e sem "h", como já acontecia etimologicamente em Latim.

DN, Data: 14-05-2008

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