quarta-feira, 14 de maio de 2008
UM ENIGMA CHAMADO OBAMA
ARTIGO NO PÚBLICO DE HOJE:
A redução de Obama
Rui Ramos - 20080514
É esta, então, a verdade de Obama, segundo reclamam os conservadores: um possesso com cara simpática?Barack Obama parece finalmente às portas da nomeação. Mas o homem que está a chegar à meta não é o mesmo que vimos à partida. Devia ter ganho com entusiasmo - e vai ganhar matematicamente. Não devia haver a mínima dúvida acerca da sua vitória sobre um crente da guerra no Iraque - e há. Nada o impede de ascender muito alto. Mas já percebemos que quanto mais subir, mais pequeno há-de parecer.
A receita de Obama é velha. Lembra, aliás, a de Ségolène Royal o ano passado. Obama aproveitou o facto de não ser a primeira escolha da "elite" para se fazer passar como a preferência das "bases". Apostou na "dinâmica", no "élan", mais do que em propostas. Esperou que o circo mediático à sua volta arrastasse gente desejosa de "participar". Conseguiu assim contornar debates, sem que no fundo ninguém soubesse bem o que significava. Bastou-lhe ser simpático e eloquente. Acontece que o procedimento eleitoral dos democratas, destinado a representar todas as sensibilidades, não ajudou à continuação do idílio. Ao princípio, jogou a favor de Obama, deixando-o emergir, depois a favor de Clinton, poupando-a a um rápido afundamento. E a concorrência fez muita gente espreitar por detrás da fachada de Obama. Nem tudo condizia. O candidato supostamente "pós-racial" aconselhou-se, durante 20 anos, com um pastor racista. O candidato "pós-partidário" tem, no Senado, um cadastro de votos que faz dele o mais esquerdista de todos os senadores. É esta, então, a verdade de Obama, segundo reclamam os conservadores: um possesso com cara simpática? Mas Obama renegou o pastor, e o seu principal conselheiro económico já insinuou que o candidato é muito mais favorável aos mercados livres do que as necessidades da eleição lhe permitem confessar. Com que ficamos? Com um político como os outros, a tentar ser mais hábil do que os outros.
Esta devia ser uma eleição fácil para os democratas. Acontece que o candidato que vinha unir os americanos começou por dividir o seu partido. Clinton tem ganho à vontade entre os brancos mais pobres e os mais velhos. Pior: 25% dos votantes de Clinton declararam que votariam no candidato republicano caso o candidato democrata fosse Obama. Obama estragou ainda mais o cenário ao queixar-se, com uma lassidão paternalista, do povo das pequenas cidades, dado às armas e à religião. Em vez de uma animadora semelhança com Kennedy, surgiram ominosas parecenças com os candidatos democratas pós-Kennedy, como George McGovern, que nas décadas de 1960 e de 1970 excitavam muito os estudantes radicais, a minoria afro-americana e a esquerda chique, mas nunca ganhavam. E a verdade é que Obama não conseguiu ultrapassar Clinton nos estados em que um candidato democrata precisa vencer para ser eleito presidente. Subitamente, Obama fez sentir aos democratas que a derrota é possível.
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