terça-feira, 5 de agosto de 2008
A crise internacional e a guerra surda EUA-UE, Costa Martins
Lido no PÚBLICO
Bush pode promover um ataque ao Irão para dificultar o acesso da UE ao petróleo do Médio OrienteAquando da invasão do Iraque pelos EUA escrevi um artigo, publicado neste jornal, onde referi que o verdadeiro móbil dessa invasão decorria, essencialmente, da guerra surda económica-financeira dos EUA com a União Europeia (UE). Os EUA consideraram a UE como o seu principal adversário no plano económico/financeiro e procuraram impedir que ela crescesse e se consolidasse em termos de vir a destroná-los na liderança da economia mundial. O facto de a UE integrar vários países que são seus aliados político-
-militares confere delicadeza a essa guerra surda.
Os EUA definiram como estratégia o controlo das grandes plataformas petrolíferas internacionais para, através do controlo do preço do petróleo, condicionarem a competitividade dos produtos da UE face aos seus e travarem o desenvolvimento da China e da Índia, que começava a despertar com visibilidade.
Nessa estratégia consertou-se em triunvirato com a Inglaterra e a Austrália. Mas a invasão do Iraque revelou-se um desastre. Os EUA não conseguiram a ocupação das grandes plataformas petrolíferas mundiais nem o controlo do petróleo, o que os impossibilitou de impor aos outros países preços mais gravosos para o importante factor de produção que é o petróleo. Meteram-se num atoleiro político-militar do qual não sabem como sair e cujos custos tem empurrado a sua economia para a exaustão. Os abaixamentos das taxas de juros a que a Reserva Federal tem recorrido para tentar estimular o arranque da economia não só não têm produzido os efeitos pretendidos, como têm sido aproveitados pela UE para tirar vantagens no campo financeiro, através da política seguida pelo Banco Central Europeu (BCE), que tem procedido a constantes aumentos das suas taxas de juros - não por causa da inflação, como é dito, mas sim visando aumentar o diferencial entre as taxas dos EUA e as da UE, fomentando, assim, a migração dos grandes capitais internacionais, em favor da UE, com o consequente agravamento da situação financeira americana. A delicada situação dos EUA, nomeadamente económica e financeira, agravada pela fuga de capitais, tem levado à constante desvalorização do dólar que, por ser ainda a moeda de referência nos negócios do petróleo, tem contribuído para a constante subida do preço deste produto, dificultando, ainda mais, o arranque da economia dos EUA, que se apresentam cada vez mais fragilizados para continuar a desempenhar a função de motor da economia mundial.
Por outro lado, a política de aumento das taxas de juros seguida pelo BCE na guerra surda entre a UE e os EUA tem contribuído para a valorização do euro e para a sua afirmação como moeda forte internacional, ameaçando destronar o dólar.
As constantes valorizações do euro e desvalorizações do dólar, conjugadas com o facto de o dólar ser ainda a moeda de referência nos negócios, têm levado a que, em termos comparativos, a UE tivesse passado a comprar o petróleo a preços bastante mais baixos que os EUA - ou seja, na estratégia de Bush, virou-se o feitiço contra o feiticeiro.
Agora que a UE já marcou a sua posição e o euro já se afirmou como a moeda forte na cena internacional, o BCE, visando o relançamento da economia e o aumento das exportações, irá, certamente, começar a baixar as taxas de juros, ainda que cuidadosamente e procurando mantê-las superiores às dos EUA, embora com um diferencial mais reduzido.
A saída da crise, designada internacional, mas que se circunscreve essencialmente aos EUA e à UE, apresenta-se mais difícil na medida em que a UE não se encontra ainda em condições de assumir o papel de motor da economia mundial - situação que se complicou com o "não" da Irlanda ao Tratado de Lisboa - enquanto que os EUA se apresentam demasiado fragilizados para continuarem a sê-lo.
Bush, em desespero, quer lançar mão do petróleo existente nas jazidas estratégicas americanas. Esperemos que a recente e inesperada abertura da sua Administração ao diálogo directo com o Irão não se destine a usar uma eventual recusa do Irão em cumprir inteiramente as condições que lhe forem apresentadas como justificação para um ataque àquele país, a levar a cabo por Forças Armadas dos EUA ou por outras interpostas forças, o que se afigura mais provável.
É que, tendo a estratégia do controlo do preço do petróleo inicialmente congeminada tido consequências desastrosas, Bush, se tiver o abastecimento de petróleo aos EUA garantido directamente pela exploração das jazidas americanas, pode, para culminar a sua brilhante actuação, promover um ataque ao Irão em forma de despedida. Isso levaria ao incendiar do Médio Oriente e à interdição das rotas marítimas que lhe dão acesso, nomeadamente através do estreito de Ormuz, impossibilitando o abastecimento de petróleo à UE e a outros países não produtores, enquanto que, paralelamente, os EUA teriam garantida a satisfação das suas necessidades com o seu próprio petróleo e ao preço do custo da exploração.
A crise internacional está a mostrar à Europa que o bom senso e realismo político impõem um estreitamento de cooperação, no respeito mútuo, entre os países da bacia do Mediterrâneo, que o Presidente francês, em nome da UE, parece estar a pretender pôr em prática, e que será muito útil para atenuar e esbater eventuais tensões de carácter cultural e fomentar laços de amizade entre os vários povos, e que será a base de uma desejável convivência pacífica. Obama, a avaliar pelo seu recente discurso realista, em Berlim, parece não querer "perder o comboio" da Europa. Coronel-Piloto-Aviador. Ex-membro da Comissão Coordenadora do MFA, do Conselho de Estado, do Conselho da Revolução e do Conselho dos Vinte. Ex-Ministro do Trabalho do II ,III, IV e V Governos Provisórios
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