quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Um país, dois sistemas?, António José Seguro



A realização periódica de eleições competitivas e a liberdade de expressão não garantem, por si, a existência de democracia. Sem aqueles dois requisitos fundamentais não há democracia, mas esta vai mais além, designadamente através de um estruturado processo de fiscalização dos poderes executivos e de práticas políticas norteadas por valores e princípios democráticos.
Na Madeira, há eleições periódicas para os órgãos próprios da região e existe liberdade de expressão, embora a sua difusão esteja fortemente condicionada e limitada.

Desde as primeiras eleições regionais que tem existido uma maioria absoluta de um só partido e esse mesmo partido, o PSD/Madeira, governa, actualmente, as 11 autarquias da região.

Uma realidade com estas características exigiria ao partido ultramaioritário um comportamento político respeitador dos direitos da oposição e uma cultura de transparência, de modo a que os poderes executivos pudessem ser controlados e fiscalizados.

Infelizmente a prática é bem diversa!

O presidente do Governo regional raramente presta contas ao Parlamento; o mesmo acontece com os membros do Executivo quanto à apresentação das suas iniciativas legislativas ou a sua ida às comissões para responderem a perguntas dos deputados.

Qualquer debate ou presença de um membro do Governo ou da administração regional tem que ser aprovado pela maioria do PSD/Madeira, o que dificilmente acontece.

Os deputados do maior partido da oposição não podem requerer a criação de uma comissão de inquérito.

Na prática, o Parlamento protege o Governo em vez de o fiscalizar e este não sente o dever de prestar contas.

Recuámos 350 anos, aos tempos em que o príncipe era detentor de uma autoridade absoluta!

Esta realidade, de Governo à solta e sem controlo, introduz um forte cariz autoritário no sistema político madeirense, dificulta a alternância democrática e viola princípios essências do Estado democrático.

Confesso que tenho reduzidas expectativas quanto à alteração dos comportamentos políticos dos principais dirigentes do PSD/Madeira, em particular quando estes beneficiam de um certo silêncio e, nalguns casos, até do apoio expresso por parte de titulares de órgãos de soberania da República.

Pelo que me interrogo se, à semelhança do que a Constituição já estabelece para a Assembleia da República e na linha de dignificação das assembleias legislativas regionais, não deverá ser definido (através de lei) um quadro mínimo de garantias e direitos potestativos para os deputados da oposição nos parlamentos das regiões autónomas, independentemente das maiorias que se apuram após cada eleição.

Em democracia, o direito das minorias contribui fortemente para a limitação do poder das maiorias. Quando esses direitos não podem ser exercidos, dado que estão sempre dependentes da disponibilidade da maioria (como é o caso na Madeira), a democracia está amputada.
(Artigo publicado no Expresso)

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