Os filhos de Deus
Segundo algumas correntes teológicas, os que morriam sem ser baptizados, não tinham acesso à salvação eterna, e as crianças ficavam-se pelo Limbo, entretanto e muito justamente considerado não existente por Sua Santidade, o Papa João Paulo II. De pouco importava que essas pessoas tivessem levado uma vida justa ou que as crianças fossem anjos de pureza, como os eventualmente existentes algures no mundo da Fé dos crentes. Julgam que essa mentalidade já desapareceu? Não, ela ainda permanece e surge, vestida de outra forma, de onde menos se poderia esperar. Imaginem isto: um ilustre causídico, defensor da nova lei sobre a assistência religiosa, insurgiu-se, sem rir, contra o facto de um padre poder entrar num hospital e tratar todos como se fossem crentes. Ou seja, o padre devia ir percorrendo a enfermaria e indagando - “é crente, não é crente” - e depois, consoante o caso, ia-os tratando como filhos de Deus ou filhos de um deus menor. Ora, isso seria impróprio de um sacerdote de um qualquer culto, porque, para um apóstolo digno desse nome, todos os seres são filhos de Deus. E se o não fizesse seria justamente considerado indigno de ser presbítero de uma religião. Em defesa da sua posição dizem: “não é verdade que o pedido de assistência só possa ser feito directamente pelos próprios pacientes (pois também pode ser solicitada por familiar ou outra pessoa próxima, ou mesmo por iniciativa do ministro do culto da religião que o paciente tenha indicado como sua) (…) E quanto à exigência de forma escrita, é evidente que ela pode ser feita num formulário entregue ao doente ou familiar à entrada no serviço”. Sim, a gente está a ver, vai uma pessoa às urgências, inconsciente, e não esquece de preencher o formulário para ter assistência religiosa. E continuam os argumentos “Por que é que o Estado, que não é crente (nem pode sê-lo), fica sempre de joelhos perante a Igreja Católica?” (Vital Moreira). E nós perguntamos: porque é que a sociedade, que, em abstracto não se define nem religiosa nem ideologicamente, mas é, no caso português e madeirense, maioritariamente crente, historicamente católica, tem de ficar sempre de joelhos perante quem é, por direito próprio e inalienável, agnóstico? É evidente que a nova lei nada proíbe, mas burocratiza, complica, implica, obriga a expor aquilo que é do fórum privado de cada um, ou seja, exige-se que se exponha burocraticamente o que, jurídica ou culturalmente, se dificulta. Por isso, não é nenhuma injustiça considerar este movimento anticlerical: positivamente, não é; hermeneuticamente, o anticlericalismo está lá em espírito, o mesmo espírito que está na regulamentação da lei da interrupção voluntária da gravidez, e que transformou em liberalização o que foi referendado como despenalização, dificultando no aconselhamento aqueles que não são a favor.
Quer-se recuperar pela via dos costumes o que se perdeu pelas medidas governamentais que puseram em causa direitos sociais.
P. S. 1- Em cima, digo “Sua Santidade o Papa”, de propósito. A partir de certa altura, achou-se que era politicamente correcto não usar esse título. Ou “Sua Excelência Reverendíssima” para os prelados. No entanto, paradoxalmente, diz-se “Sua Santidade” o Dalai Lama. Em que ficamos? Ficamos bem, são questões de respeito por crenças e protocolo. Um monarca e um presidente tratam-se respectivamente por “Vossa Majestade” e “Vossa Excelência” e não alegam a ideologia para desrespeitar o protocolo. 2. Espero que o PS-Madeira não alinhe neste jacobinismo serôdio, responsável pela queda da I República. Para depois não continuar a queixar-se do que ainda não compreendeu: a atitude histórica de D. Francisco Santana. A mesma compreensão não se aplica ao seu imediato sucessor. Não havia necessidade. A esperança está em que D. António, “o Bispo do sorriso”, reponha a Igreja onde é o seu merecido lugar, a Deus o que é de Deus, e a César o que é de César. 3. Ah, quanto a mim, respeito, mas tenho muitas reticências às minhas próprias superstições e crenças.
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