sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

J'ACCUSE

O FAMOSO CASO DREYFUS É LEMBRADO AQUI

J'accuse
Fernanda Câncio

Há 111 anos, a 13 de Janeiro de 1898, foi publicada a mais grandiosa peça jornalística de todos os tempos. Escrita como carta aberta ao presidente de França, é um apelo indignado em nome de um inocente injustamente condenado, libelo contra um sistema judicial corrupto e uma opinião pública contaminada pela manipulação da verdade e pelos seus preconceitos (o condenado era judeu) através de uma campanha mediática "abominável". Num estilo que cruza o jornalismo e o manifesto, descreve a forma como um homem foi desonrado, julgado e condenado a prisão perpétua com base em provas falsas que, sendo consideradas "secretas", nem sequer lhe foram reveladas, e demonstra como o verdadeiro culpado foi absolvido por juízes cientes da sua culpa. Tem como título J'accuse...! (Eu acuso...!), e é uma defesa empolgada e empolgante da verdade e da justiça.

O seu autor, Émile Zola, sabia ao escrever o risco que corria - aliás, escreveu jogando nesse risco, o de ser acusado de desrespeito e difamação e de poder fazer do seu julgamento a demonstração do que afirmava. Conseguiu o que queria: virar a França a favor do inocente condenado (Dreyfus) - mesmo se à custa de reacções violentas contra ele e contra Dreyfus, incluindo motins anti-judaicos - e reabrir o respectivo processo, mas também ser julgado, três escassas semanas após a publicação do artigo. Foi condenado à pena máxima no caso, um ano de cadeia, a que escapou fugindo para o estrangeiro.

Zola voltaria a França para assistir à reabertura do processo Dreyfus, no qual este foi, incrivelmente, condenado de novo. Seria no entanto "perdoado" e acabaria ilibado em 1906, reintegrado e promovido no exército que o expulsara. Zola, arruinado pela defesa de Dreyfus, tinha morrido há quatro anos, sem ver satisfeita a sua exigência de justiça. Na verdade, a justiça nunca foi realmente feita: ninguém - nem os oficiais do exército que cozinharam a sua "culpa", nem os juízes e procuradores que o condenaram sonegando-lhe as provas, nem aqueles que a propagaram sem se esforçarem por conhecer a verdade - foi julgado pelo martírio de Dreyfus. As forças contra as quais Zola se ergueu, "fraco e desarmado" (como disse Anatole France no seu elogio fúnebre), nunca foram derrotadas - apenas o necessário para, naquele caso, lavarem a face, revendo a decisão que condenara um inocente. Fraco consolo.

O caso Dreyfus, como muitos outros antes e depois dele, mostra o ladro negro do poder do sistema judicial. Quando um sistema criado para certificar a procura e o triunfo da verdade despreza a verdade e funciona como se estivesse acima das leis por cujo cumprimento lhe cumpre zelar, instrumentalizando o extraordinário poder que lhe é conferido, não há Estado de Direito. Sem Estado de Direito, não há grande chance para a democracia, até porque não há para aí Zolas aos pontapés. O que há aos pontapés é gente que, quiçá imaginando-se da estirpe do autor de J'accuse, se compraz em funcionar como guarda avançada dessa instrumentalização da verdade. "O meu dever é falar, não quero ser cúmplice", escreveu Zola. É sempre boa altura para lhe honrar o

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