quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O aparelhismo

PELA DERROTA DO APARELHISMO

O aparelhismo não é uma ideologia . É o inimigo da ideologia .
O aparelhismo não é uma ideia . É uma prática idiota.
O aparelhismo não é um princípio . É um esquema operacional . Não chega, sequer, a ser uma estratégia porque não conhece lógicas nem sabe estabelecer relações de causalidade.
O aparelhismo não faz análises. Faz contas.
O aparelhismo só não é repressivo porque não precisa da repressão para ser eficaz.
O aparelhismo gosta de registar nomes, de elaborar listas, de montar arquivos, de guardar papeis. Conhece muita gente mas tem a mania que conhece muita mais. E é íntimo. E tanto promete favores porque é íntimo, como faz ameaças porque é íntimo.
O aparelhismo não distingue fidelidade de lealdade. Nem consensos de concórdia. Prefere confundi-los porque é nesta confusão que ele bem se entende.
O aparelhismo conhece muito bem as leis mas resolve tudo na tramóia. Gosta pouco de ter opiniões mas faz muitos negócios. E porque não tem escrúpulos até garante tudo. E também porque não tem escrúpulos falta com tudo que garante.
Livre pensador é que o aparelhista não é. Aliás nem precisa de pensar: já pensou tudo. É um maquinador e precisa é de agir. Permanentemente.
O aparelhista nunca reconhece a autoridade da evidência e tudo faz para substituir a autoridade da evidência pela evidência da autoridade. Parece muito que acredita naquilo que o move, mas é hipócrita e muito velhaco. E tal como a ocasião faz o ladrão, também a ocasião faz o aparelhista.
O aparelhismo é muito discreto, actua na sombra, disfarça-se, toma outros nomes, veste formas muito respeitáveis e dignas. O aparelhismo nos partidos até se chama organização...
E é sempre nos partidos políticos que o aparelhismo é mais fértil. Tão fértil que há partidos que substituíram a ideologia e o trabalho sobre projectos sociais aplicáveis pelas práticas do aparelhismo.
O aparelhismo vive dos funcionários. Embora tenham o nome de funcionários estes senhores não têm funções: têm tarefas. A função é uma produção livre, autónoma e responsável, enquanto a tarefa é uma execução episódica e sob comando. Além de tarefeiro, esta espécie de funcionários realiza perfeitamente o modelo do zelador: atento, bajulador e diligente a sustentar a evidência da autoridade. É por isso que o aparelhismo precisa de ter as pedras certas no sítio certo. Porque o aparelhismo não lida com pessoas; lida com pedras.
No aparelhismo não há acções planificadas na perspectiva da inovação. Todavia, para que se mantenha um firme controlo de situações a fim de evitar práticas desviantes e transgressivas, tudo deve estar rigorosamente programado e previsto.

O aparelhismo gosta de provar que é justo, o que é absolutamente falso. Porém, para iludir a questão da justiça faz-se muito generoso. Generoso e sedutor. Sobretudo para os adversários a quem sempre tenta conquistar. Quem diz conquistar não diz convencer, que a aparelhismo não aprecia convicções. Prefere as crenças, os actos de fé ou a simples devoção. À devoção chama, publicamente, dedicação. O que, sendo falso, é também uma ofensa Que a dedicação é um sentimento muito meritório quase sempre somiticamente compensado com louvores e condecorações. E ainda por cima tardias. Algumas muito tão tardias que chegam a ser póstumas.
Mas a generosidade do aparelhismo não é teórica, nem de estimação. É muito objectiva e prática. E quase sempre bem substancial. Mete tranches, e fatias, e tráfego de influências, e lugares, e ainda candidaturas. Nunca refere expressamente os subornos, mas eles estão quase sempre subjacentes. Também não regista o nepotismo, os compadrios, o encobrimento, os conluios, os apoios mas é tudo isto que movimenta grande parte da gente que gravita nos partidos que, como todos sabemos, são o grande berço do aparelhismo. E por lá se constituem sindicatos de voto, e “lobbys", e se contam espingardas, e se faz o poder em nacos para que cada um tenha a sua ração bem à medida do seu intrépido merecimento.
As candidaturas e os lugares de estado aparecem hoje como a emergência mais em voga do aparelhismo. São ofertas a que os trânsfugas cedem com relativa facilidade. E porque os aparelhistas não podem confiar nas ideias que não têm, ficam eufóricos de contentamento, e muito seguros da sua grandeza, por ver incorporadas na sua comandita as sumptuosas criaturas [a] que acabam de negar a sua filiação.

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