sábado, 23 de janeiro de 2010

Kant e a "paz perpétua". Hegel e o "fim da história". Marx e a "luta de classes". Nietzsche e o "eterno retorno"





O eterno retorno da luta de classes e do fim da história


Em 2005, num inquérito da BBC, Marx foi considerado o filósofo mais influente de sempre. Outros alemães tiveram influência decisiva no pensamento contemporâneo: Kant, com o 'imperativo categórico'; Hegel, com a sua dialéctica; Nietzsche, ao proclamar a morte de Deus e a eterna vontade de poder do homem

"Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, mas o que importa é transformá-lo." Ao concluir desta forma as suas Teses sobre Feuerbach, Karl Marx traçava um propósito revolucionário para a filosofia. Nada de espantar, para um homem que dedicou toda a vida às duas causas: para ele filosofia e revolução eram indissociáveis.

Em 2005, num inquérito organizado pela BBC, Marx (1818-1883) foi considerado o filósofo mais influente de todos os tempos. Marxismo é um adjectivo hoje associado a várias disciplinas do saber - da história à economia, da sociologia à ciência política. E vários termos criados por Marx na sua monumental crítica à sociedade capi- talista em obras como O Capital tornaram-se património da linguagem comum - termos como "alienação", "proletariado", "luta de classes" e "mais-valia".

"Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência", escreveu este alemão nascido em Trier e falecido aos 64 anos em Manchester, Reino Unido. Discípulo inicial de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), incorporou no seu pensamento a noção hegeliana de que o homem é um protagonista da história e actua nela através de sucessivos choques dialécticos (tese-antíse-síntese) que o conduzirão a um patamar definitivo. Que patamar? Aí divergem: é o fim da história, na óptica de Hegel; a sociedade comunista, para Marx.

A diferença entre ambos é radical num ponto: enquanto para Hegel - nascido em Estugarda e falecido em Berlim, aos 61 anos - a síntese era o espírito, para Marx era a matéria. Nascia o seu materialismo dialéctico, que pretendia inverter a lógica hegeliana, correcta como forma de interpretar o mundo, mas "de cabeça para baixo".

Se para Hegel - autor de obras como Fenomenologia do Espírito e Elementos da Filosofia do Direito - o progresso histórico equivalia à "revelação do espírito", para Marx equivalia à "quebra das grilhetas" que oprimiam a classe trabalhadora, como sublinhou no seu Manifesto Comunista, escrito em parceria com Friedrich Engels.

Marx foi um grande viajante, tal como Fredrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), em tudo opostos a Immanuel Kant (1724-1804), que passou toda a vida na sua cidade natal, Königsberg - então na Prússia e hoje na Rússia, com o nome de Kalininegrado - e ali faleceu, aos 79 anos. Era uma criatura de hábitos tão rígidos que ao sair para dar o seu passeio da tarde, invariavelmente às 15.30, os vizinhos podiam acertar os relógios ao verem-no iniciar a caminhada.

Tal como Marx e Hegel, Kant é um dos filósofos que mais influenciaram o pensamento contemporâneo - designadamente em disciplinas como a ética e a teoria do conhecimento. Em obras como Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e A Fundamentação da Metafísica dos Costumes, garante que não é o objecto que determina o sujeito, mas este que determina o objecto, conhecendo-o no espaço e no tempo - categorias a priori. Eis o "idealismo transcendental" de Kant, que nos legou ainda conceitos como a "paz perpétua" e o seu célebre "imperativo categórico": "Age de tal maneira que a máxima da tua acção se possa tornar princípio de uma legislação universal."

Nos antípodas do idealismo kantiano está a obra de Nietzsche, nascido em Röcken e falecido aos 55 anos em Weimar. Em obras como Assim Falou Zaratustra, A Gaia Ciência e O Anticristo negou a existência de Deus - admitida por Kant e Hegel e também negada por Marx - e de qualquer imperativo categórico, sublinhando que o homem é senhor de si mesmo e do seu destino, movido por impulsos e pela vontade de poder. Numa linguagem cheia de aforismos, fez críticas demolidoras à civilização judaico-cristã, com a sua "moral de escravos". Este filósofo que gostava de "viver perigosamente" criou uma legião de discípulos, à esquerda e à direita, ao negar finalidade à história. Na sua perspectiva, o "eterno retorno" do homem à plenitude da vida era a marca mais indelével da existência.

Kant e a "paz perpétua". Hegel e o "fim da história". Marx e a "luta de classes". Nietzsche e o "eterno retorno": quatro filósofos alemães cuja obra se mantém em permanente diálogo com o homem contemporâneo, inspirando-o e interpelando-o. Sem eles, não pensaríamos como pensamos. Nem sería- mos como somos.

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