segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Fim da obrigatoriedade do pagamento das quotas partidárias como condição para exercer o Direito ao voto em eleições internas aos partidos


Exposição enviada ao Senhor Provedor de Justiça

Da eventual constitucionalidade do impedimento do exercício do direito de voto nos actos eleitorais internos aos partidos àqueles militantes que não tenham as respectivas quotas em dia

Exmº. Senhor Provedor de Justiça

Respeitosos cumprimentos.
Passaria directamente a expor a Vossa Excelência o assunto que me leve a escrever-lhe enquanto cidadão da República Portuguesa.

1. A Constituição da República, no seu artigo 10º., “Sufrágio universal e partidos políticos”, consagra o direito ao sufrágio universal, como forma de o povo exercer o poder político, no número um do referido artigo, para, no número dois do mesmo artigo, estipular que “os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular”.

2. Não sendo a inscrição em partidos políticos de carácter obrigatório mas decorrente de um acto voluntário, não podem os partidos, como organizações imprescindíveis para a estruturação da vida parlamentar, “no respeito pelos princípios […] da democracia política” (citado do mesmo número dois do referido artigo 10º.) deixar de respeitar, na sua organização interna, os mesmos princípios constitucionais que enformam as instituições da República.
3. É sabido, além disso, que o financiamento dos partidos decorre, essencialmente, para além das receitas próprias, como prescreve a lei de financiamento dos partidos, sobretudo, do financiamento público, ou seja, todos os cidadãos, militantes ou não de partidos, suportam, através dos seus impostos, o financiamento do sistema partidário.
4. Diz ainda a Constituição da nossa República, no número um do Artigo 13.º, que “ Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Ora acontece que, nos seus estatutos, os partidos políticos prevêem a suspensão dos direitos dos seus militantes por efeito do não pagamento das quotas de militantes, por determinado tempo, e, em consequência, directa ou indirecta, o impedimento de exercer o direito de voto em actos eleitorais internos.
5. Poderá aduzir-se que isso decorre de uma norma interna, que a inscrição de um partido é voluntário e que o não exercício do direito ao voto, nessas circunstâncias, é uma consequência lógica do não cumprimento de um dever livremente assumido.
6. Pode, todavia, acontecer, que um determinado cidadão, por questões da sua condição social, nomeadamente perda do exercício do direito ao trabalho em resultado de se ter achado involuntariamente desempregado, se veja, por esse motivo, impedido de exercer o direito de votar em actos internos do partido de que é militante e para o qual já havia contribuído enquanto cidadão pagador de impostos. Ao contrário, os outros militantes do mesmo partido, por estarem em situação económica e social vantajosa, já poderiam votar, o que poderia configurar uma espécie de repristinação anacrónica do voto de índole censitária, salvaguardas as óbvias diferenças.
7. Na prática, impõe-se reconhecê-lo, estabelece-se uma relação de causa entre a situação económica, e, por que não dizê-lo, financeira, e as condições sociais, por um lado, e, por outro, o impedimento ao exercício de um direito político, logo numa instituição, um partido político, que a própria Constituição estipula que, na sua organização interna, “devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros” (Artigo 49º. da CR).
8. Como estabelecer ainda a coerência da cessação do direito ao voto pelos militantes por condições económicas com o número dois do já citado Artigo 13.º da CR, que determina que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”: não estará, na prática, um militante de um partido, a ser privado de um direito político em virtude da sua situação económica, ainda que essa relação de causa efeito possa ser mediada pela situação de suspensão pelo não cumprimento da obrigatoriedade desse pagamento? E essa obrigatoriedade não colide, pelo menos, por escrúpulo democrático, com o facto de se a exigir a um cidadão que financie duplamente um determinado partido, ainda que nele voluntariamente inscrito? Então, que se impeça aos cidadãos que não tenham os impostos em dia o direito ao exercício ao voto em eleições para os diferentes órgãos do poder político!
9. Não seria o caso de, sendo os partidos políticos instituições de natureza específica e especial no âmbito do funcionamento do regime democrático, situarem os deveres dos cidadãos seus militantes no âmbito mais de natureza cívica, reservando para as quotas o carácter de voluntariedade que não da sua obrigatoriedade, ou seja, por doação que não imposição, de natureza coerciva esta, próprio do imposto fiscal?
10. Não estará a ser vedado aos cidadãos militantes impedidos de participar em eleições internas do respectivo partido por questões de natureza social o direito de cidadania previsto pelo número um do já referido artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, quando estipula que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”?
Senhor Provedor, em nome da igualdade de direitos dos cidadãos, solicitaria, assim, a Vossa Excelência detivesse a sua atenção sobre esta questão, e decida, no seu alto critério, se não estaremos perante uma situação eventualmente colocada nas fronteiras da constitucionalidade ou até, quiçá, para além delas.

Respeitosos cumprimentos,

Funchal, 25 de Janeiro de 2010

O Cidadão Miguel Luís da Fonseca

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