Embora seja improvável, Obama pode perder alguns dos estados que parecem "seguros" ou quase
Arevolução americana (1776-87) legou ao mundo algumas heranças fundamentais para a arte de governar nos sistemas políticos modernos: a existência de uma Constituição escrita e produzida através da uma assembleia constituinte eleita para o efeito (a "convenção constitucional"); a "carta dos direitos" fundamentais dos cidadãos; a separação institucional de poderes e, através dela, a ideia do controlo mútuo dos órgãos do poder político; a justiça constitucional; o federalismo. Tratou-se de inovações fundamentais pelo seu carácter pioneiro e pelo seu impacto e difusão mundiais.
Apesar daquele extraordinário legado, o sistema americano tem algumas características (dificuldades de inscrição nos cadernos eleitorais, votação em dia útil da semana, "chapeladas", muitos votos perdidos por efeito do método maioritário, etc.) que não só desincentivam a participação dos cidadãos como podem ter "efeitos patológicos" na conversão de votos em mandatos (o candidato mais votado pode não ser o eleito). Ensina a mais elementar humildade democrática e a imprescindível prudência analítica que não há nunca vencedores antecipados numa eleição democrática. Ou seja, embora seja altamente provável a eleição de Obama, há alguns elementos que podem levar a um volte-face de última hora. Adicionalmente, há alguns elementos no sistema institucional que podem não só potenciar um tal resultado como até, mesmo que Obama vença nas urnas, propiciar um "resultado patológico".
Como disse, uma das inovações fundamentais da revolução americana é o federalismo. Trata-se de um arranjo institucional para a partilha do poder em estados de grandes dimensões e/ou em sociedades muito heterogéneas. Tal mecanismo de partilha de poder implica que as minorias (constituintes) têm um poder muito superior àquele que lhes caberia se aplicássemos apenas a regra "um homem, um voto": a "representação desigual" leva à sua sobre-representação. No caso americano, tal passa pela existência de um "Congresso" com duas câmaras, a "Câmara dos Representantes" e o "Senado", desigualmente compostas mas com idênticos poderes na aprovação da legislação federal. Na primeira estão representados os cidadãos e cada estado tem um número de representantes proporcional ao número dos seus eleitores, embora nenhum possa ter menos do que um representante (regra que favorece os estados muito pequenos, como, por exemplo, o Alasca). No Senado, estão representados os cinquenta estados: cada um tem dois senadores, ou seja, os estados pequenos (minorias) estão altamente sobre-representados face aos grandes (maiorias). É o preço a pagar para manter unido um país com tal dimensão e heterogeneidade: caso contrário, os pequenos estados deixariam de contar, logo não teriam incentivos para se manter na federação.
O sistema de colégio eleitoral para a eleição do Presidente representa uma extensão do sistema federal. Eleito pelos cidadãos, o colégio é constituído por 538 elementos que depois elegerão o Presidente. Cada estado tem um número de membros no colégio igual à soma dos seus membros nas duas câmaras do Congresso. Naturalmente, estes traços sobre-representam os pequenos estados na eleição do Presidente. Mais, tais mecanismos podem levar a que o candidato com mais votos perca as eleições. Parece-me difícil reformar a "representação desigual" sem que os pequenos estados deixem de contar na eleição do Presidente. Mas há um outro elemento, esse sim reformável sem pôr em causa o federalismo, que é raramente referido (na imprensa portuguesa) mas que é determinante para um eventual "desfecho patológico". É a aplicação da regra da maioria para a determinação de quem ganha todos (!) os membros do colégio eleitoral em cada estado. Por exemplo, a Florida, onde Obama está à frente com uma pequena margem, tem 27 lugares no colégio eleitoral. Mas se Obama (ou McCain) acabar por perder aí, o vencedor terá direito a todos os membros do colégio e o candidato perdedor verá todos os seus votos desperdiçados (mesmo que tenha apenas menos 1 voto, em vários milhões, do que o vencedor). Se se aplicasse uma regra proporcional para distribuir os membros do colégio eleitoral pelos candidatos seria possível preservar o elemento federal e, simultaneamente, limitar bastante os seus potenciais "efeitos patológicos". Mais, estimular-se-ia a participação dos cidadãos porque deixaria de haver tantos votos que não contam para nada: todos os votos no(s) candidato(s) perdedor(es) em cada estado.
Mas, afinal, Obama pode perder na secretaria ou não? Segundo o sítio Real Clear Politics (em 31/10/08), baseado em médias de várias sondagens estaduais, Obama está muito à frente de McCain: ganharia "seguramente" (lidera com 10 por cento de vantagem ou mais) ou quase (lidera com 5 a 10 por cento de vantagem) em vários estados, o suficiente para conseguir 311 votos no colégio (a vitória obtém-se com 270). Porém, embora seja improvável, Obama pode perder alguns dos estados que parecem "seguros" ou quase. Primeiro, porque o voto em Obama pode estar sobrestimado se, para encobrir um eventual preconceito racial, muitos eleitores não estiveram a revelar o seu verdadeiro sentido de voto. Segundo, Obama tem um grande apoio entre as camadas mais jovens, usualmente mais abstencionistas, que, se não afluírem em número suficiente às urnas, poderão penalizá-lo. Terceiro, se ocorrer algum evento inesperado que venha dar vantagem a McCain (por exemplo, um atentado terrorista). Quarto, há nos EUA um historial de "chapeladas" (fraudes e expedientes semelhantes) de todo o tipo que podem subverter o voto popular (sobretudo se este for renhido) em estados cruciais. Mesmo que apenas alguns destes efeitos se verifiquem, poderão ser suficientes para aproximar as votações nos dois candidatos e propiciar uma derrota na secretaria (ao candidato com mais votos). Politólogo (ISCTE)
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