Se falo de mim e de Deus, tenho
de falar do outro que me revela Deus em mim. Deus e eu é uma relação que deriva da relação
que tenho com o outro, onde vejo a
presença ou a ausência de Deus. Se o inferno são os outros, o inverso também é
verdade, Deus vê-se nos outros. Mas quer
a presença, quer a ausência de Deus nos outros, pode derivar não dos outros,
mas da ausência de Deus em mim, que não o faço presente na vida dos outros, e,
sobretudo, me abstenho de tornar presente Deus na vida das outros quanto e
quando mais pressinto que Deus está ausente da sua vida. Os outros são os que
gravitam na periferia do eu, e, como cada eu tem a sua periferia, eu sou também
os outros e os outros fazem parte de mim. Se nos retirarmos, Deus
está ausente. Retiramo-nos quando
ignoramos o outro nas suas necessidades corporais e espirituais: Deus está
ausente se há fome, sede, frio, no corpo e na alma, falta de tecto ou de palavra, ignorância, horizonte, alegria,
perdão, paciência, perda de memória. Mas logo o coração se abre ao outro e eis
que Deus está de volta. Ou seja, as ausências de Deus são as nossas ausências.
É a mim que me cabe trazê-lo de volta. Deus é essa realidade imanente que
deriva das nossas ações. É aqui e não lá que se quebra essa linha que,
epistemologicamente, separa os que creem na transcendência, pois que ele vive
ou não vive, aqui e agora, por exclusiva decisão e responsabilidade nossa.
Mesmo se o devirmos em valores universais, seja a liberdade, o amor, a caridade,
enfim, a transcendência, que, como abóboda, não se sustenta se não assentar em pilares de
base, fuste e capital erguidos sobre as nossas ações. É legítimo dar-lhe um perfil antropomórfico, cada um de
nós, com a ideia de Vítor Hugo de que, se o Universo é infinito, tinha de ter
um eu, senão não seria infinito. Podemos até lhe darmos um rosto à medida
dos nossos conhecimentos. Jesus é o ser amável que conheço para ser o rosto de Deus. Através de Jesus,
posso me relacionar com Deus, mas devo aceitar que cada um estabelecerá esse
diálogo como bem entender, desde que os valores universais superem a linha que
me dilacera e que divide os designados, pela sua forma de relação com os
valores, em crentes e ateus, e todos compreendam que esses valores universais
partem da imanência de cada ato. Cada ser realiza-se em unidade com os outros, o que se pode traduzir na oração que une
habitantes de todo o universo, Pai Nosso e assim na terra como no céu. Somos todos
filhos do universo.
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