Veja-se os destaques a negrito e conheça o tipo de jornalismo que a direcção do Público fomenta, e que envergonham as melhores tradições do jornal.
Na sequência da última crónica do provedor, instalou-se no PÚBLICO um clima de nervosismo. Na segunda-feira, o director, José Manuel Fernandes, acusou o provedor de mentiroso e disse-lhe que não voltaria a responder a qualquer outra questão sua. No mesmo dia, José Manuel Fernandes admoestou por escrito o jornalista Tolentino de Nóbrega, correspondente do PÚBLICO no Funchal, pela resposta escrita dada ao provedor sobre a matéria da crónica e considerou uma “anormalidade” ter falado com ele ao telefone. Na sexta-feira, o provedor tomou conhecimento de que a sua correspondência electrónica, assim como a de jornalistas deste diário, fora vasculhada sem aviso prévio pelos responsáveis do PÚBLICO (certamente com a ajuda de técnicos informáticos), tendo estes procedido à detecção de envios e reenvios de e-mails entre membros da equipa do jornal (e presume-se que também de e para o exterior). Num momento em que tanto se fala, justa ou injustamente, de asfixia democrática no país, conviria que essa asfixia não se traduzisse numa caça às bruxas no PÚBLICO, que sempre foi conhecido como um espaço de liberdade.
A onda de nervosismo, na verdade, acabou por extravasar para o próprio mundo político, depois de o Diário de Notícias ter publicado anteontem um e-mail de um jornalista do PÚBLICO para outro onde se revelava a identidade da presumível fonte de informação que teria dado origem às manchetes de 18 e 19 de Agosto, objecto de análise do provedor. A fuga de informação envolvia correspondência trocada entre membros da equipa do jornal a propósito da crónica do provedor. O provedor, porém, não denuncia fontes de informação confidenciais dos jornalistas – sendo aliás suposto ignorar quem elas são –, e acha muito estranho, inexplicável mesmo, que outros jornalistas o façam. Mas, como quem subscreve estas linhas não é provedor do DN, sim do PÚBLICO, nada mais se adianta aqui sobre a matéria, retomando-se a análise suspensa há oito dias.
Em causa estavam as notícias dando conta de que a Presidência da República estaria a ser alvo de vigilância e escutas por parte do Governo ou do PS. O único dado minimamente objectivo que a fonte de Belém, que transmitiu a informação ao PÚBLICO, adiantara para substanciar acusação tão grave no plano do funcionamento do nosso sistema democrático fora o comportamento “suspeito” de um adjunto do primeiro-ministro que fizera parte da comitiva oficial da visita de Cavaco Silva à Madeira, há ano e meio. As explicações eram grotescas – o adjunto sentara-se onde não devia e falara com jornalistas –, mas aceites como válidas pelos jornalistas do PÚBLICO, que não citavam qualquer fonte nessa passagem da notícia (embora tivessem usado o condicional).
A investigação do provedor iniciou-se na sequência de uma participação do próprio adjunto de José Sócrates, Rui Paulo Figueiredo, queixando-se de não ter sido ouvido para a elaboração da notícia, apesar de Tolentino de Nóbrega ter recolhido cerca de seis meses antes a sua versão dos factos. O provedor apurou que na realidade Tolentino de Nóbrega, por solicitação de um dos autores da notícia, o editor Luciano Alvarez, já compulsara no Funchal, logo após a visita de Cavaco Silva, e enviara para a redacção informações que convergiriam com aquilo que Rui Paulo Figueiredo lhe viria a afirmar um ano depois (e que o correspondente entendeu não ter necessidade de comunicar a Lisboa, convencido de que o assunto morrera). Esses dados, contudo, não haviam sido utilizados na notícia (foi por tê-lo dito na crónica que o provedor recebeu de José Manuel Fernandes o epíteto de mentiroso, não tendo recebido entretanto as explicações que logo lhe pediu). O provedor inquirira José Manuel Fernandes e Luciano Alvarez sobre as razões dessa omissão mas não obtivera resposta.
Quanto ao facto de não se ter contactado o visado para a produção da notícia, como preconiza o Livro de Estilo do PÚBLICO (“qualquer informação desfavorável a uma pessoa ou entidade obriga a que se oiça sempre ‘o outro lado’ em pé de igualdade e com franqueza e lealdade”), respondeu Luciano Alvarez ao provedor: “Ao fim do dia da elaboração da notícia, eu próprio liguei para Presidência do Conselho de Ministros, para tentar uma reacção de Rui Paulo Figueiredo, mas ninguém atendeu. Cometi um erro, pois deveria ter, de facto, ligado para São Bento, pois sabia bem que era aí que Rui Paulo Figueiredo habitualmente trabalhava, já que uma vez lhe tinha telefonado para São Bento para elaboração de outra notícia”.
Numa matéria desta consequência, em que se tornaria crucial ouvir o principal protagonista, o provedor regista a aparente escassa vontade de encontrar Rui Paulo Figueiredo, telefonando-se ao fim do dia (em que presumivelmente já não estaria a trabalhar) e para o local que o jornalista sabia ser errado. A atitude faz lembrar os métodos seguidos num antigo semanário dirigido por um dos actuais líderes políticos (que por ironia tinha por objectivo destruir politicamente Cavaco Silva, então primeiro-ministro), mas não se coaduna com a seriedade e o rigor de que deve revestir-se uma boa investigação jornalística. Se o jornal já possuía a informação há ano e meio, porquê telefonar à figura central pouco antes do envio da edição para a tipografia? É um facto que Rui Paulo Figueiredo, segundo afirmou ao provedor, estava então de férias, mas isso não desculpa a insignificância do esforço feito para o localizar.
Também José Manuel Fernandes reconheceu ao provedor “o erro de tentar encontrar Rui Paulo Figueiredo na Presidência do Conselho de Ministros e não directamente na residência oficial do primeiro-ministro”, acrescentando porém: “Tudo o mais seguiu todas as regras, e só lamentamos que os recados deixados a Rui Paulo Figueiredo não se tenham traduzido numa resposta aos nossos jornalistas, que teria sido noticiada de imediato, antes no envio de uma queixa ao Provedor – a resposta não impediria que se queixasse na mesma, mas impediu-nos de noticiar a sua posição e de lhe fazer mais perguntas”.
O provedor considera porém que nem “tudo o mais seguiu todas as regras”. As notícias do PÚBLICO abalaram os meios políticos nacionais, e o próprio primeiro-ministro as comentou considerando o seu conteúdo “disparates de Verão”. O assunto era pois suficientemente grave para o PÚBLICO, como o jornal que lançou a história, confrontar a sua fonte em Belém com uma alternativa: ou produzia meios de prova mais concretos acerca da suposta vigilância de que a Presidência da República era vítima (que nunca surgiram) ou teria de se concluir que tudo não passava de um golpe de baixa política destinado a pôr São Bento em xeque. Não tendo havido qualquer remodelação entre os assessores do Presidente da República nem um desmentido de Belém, era aliás legítimo deduzir que o próprio Cavaco Silva dava cobertura ao que um dos seus colaboradores dissera ao PÚBLICO. Mais significativo ainda, o PÚBLICO teria indícios de que essa fonte não actuava por iniciativa própria, mas sim a mando do próprio Presidente – e essa era uma hipótese que, pelo menos jornalisticamente, não poderia ser descartada. Afinal de contas, o jornal até podia ter um Watergate debaixo do nariz, mas não no sentido que os seus responsáveis calculavam.
No prosseguimento da cobertura do caso, o passo seguinte do PÚBLICO deveria, logicamente, consistir em confrontar o próprio Presidente da República com as suas responsabilidades políticas na matéria. Tendo o provedor inquirido das razões dessa inacção, respondeu José Manuel Fernandes: “O PÚBLICO tratou de obter um comentário do próprio Presidente, mas isso só foi possível quando este, no dia 28 [de Agosto], compareceu num evento em Querença previamente agendado, ao qual enviámos o nosso correspondente no Algarve. Refira-se que, quando percebemos que não conseguiríamos falar directamente com o Presidente para a sua residência de férias, verificámos a sua agenda para perceber quando ia aparecer em público, tendo notado que a notícia saíra da Casa Civil exactamente antes de um período relativamente longo em que o Presidente não tinha agenda pública”.
Em Querença, Cacaco Silva limitou-se porém a invocar “os problemas do país” e a apelar para “não tentarem desviar as atenções desses problemas”, tendo faltado a pergunta essencial: como pode o Presidente fazer declarações altruístas sobre a situação nacional e ao mesmo tempo caucionar (se não mesmo instigar) ataques abaixo da cintura lançados de Belém sobre São Bento? E, como qualquer jornalista político sabe, havia muitas maneiras de confrontar a Presidência da República com a questão e comunicar ao público a resposta (ou falta dela), não apenas andando atrás do inquilino de Belém.
Do comportamento do PÚBLICO, o provedor conclui que resultou uma atitude objectiva de protecção da Presidência da República, fonte das notícias, quanto aos efeitos políticos que as manchetes de 18 e 19 de Agosto acabaram por vir a ter. E isto, independentemente da acumulação de graves erros jornalísticos praticados em todo este processo (entre eles, além dos já antes referidos, permitir que o guião da investigação do PÚBLICO fosse ditado pela fonte de Belém), leva à questão mais preocupante, que não pode deixar de se colocar: haverá uma agenda política oculta na actuação deste jornal?
Noutras crónicas, o provedor suscitou já diversas observações sobre procedimentos de que resulta sempre o benefício de determinada área política [leia-se facilmente PSD, nota Bastaqsim] em detrimento de outra [leia-se PS, nota Bastaqsim] – não importando quais são elas, pois o contrário seria igualmente preocupante. Julga o provedor que não é essa a matriz do PÚBLICO, não corresponde ao seu estatuto editorial e não faz parte do contrato existente com os leitores. É pois sobre isso que a direcção deveria dar sinais claros e inequívocos. Não por palavras (pois a coisa mais fácil é pronunciar eloquentes declarações de isenção), mas sim por actos.
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