1.
O que faz a unanimidade à volta de Nelson
Mandela não é, ou não é apenas, ter-se levantado em armas contra o apartheid:
não – o que o torna unanimemente aceite é ter combatido o apartheid e ter sido
magnânimo com os fautores desse sistema, uma vez tendo o ANC conquistado o poder.
2.
O gesto de Nelson Mandela tem precedentes
históricos. Os romanos tinham a divisa «Honra aos vencidos, glória aos vencedores. Ora, aqueles
acontecimentos na tomada de posse da «Mudança», aquelas vaias ao candidato
vencido do poder municipal anterior simboliza que não se respeito a honra dos
vencidos, tornando indignos da vitória os vencedores.
3.
Este gesto, nunca claramente condenado pelos
novos titulares do poder municipal, contribuiu para o começo da perda da
legitimidade conquistada nas urnas. A legitimidade, em democracia, conquista-se
nas urnas, mas mantêm-se ou perde-se durante o exercício do poder. Isso é completamente incompreensível para os
próceres do Novo Regime.
4.
E aqui pergunta-se: o que fariam estes senhores
se tivessem no lugar de Nelson Mandela? Obviamente prosseguiriam a luta armada
contra os antigos detentores do poder. Na verdade, aqueles gritos ululantes são
sinais de intolerância e de “guerra civil” que se estende nas redes sociais a
quem os usa contrariar, quer o que defendem, quer o seu silêncio perante o que
se vai passando…
5.
Aliás, e doutro ângulo, já só falta dizer a
certos setores de esquerda que não nos devemos concentrar na fase «25 de
Novembro» de Mandela, e que é preciso relembrar o período revolucionário, como
se a síntese dos dois não fosse a grandeza de Madiba.
6.
E ainda de outro ângulo: a responsabilidade dos
EUA, do Reino Unido e de Portugal – a superpotência, a potência administrante e
a antiga potência com interesses geoestratégicos na zona, com guerras civis em
Angola e Moçambique ao tempo da transição e com a hipótese - perigosa – de a África do Sul vir a cair numa
transição violenta, com um banho de sangue, dava-lhes especiais
responsabilidades: se estas três potências incentivassem a luta armada já na etapa
de transição, não estariam a inviabilizar a transição pacífica que veio a
verificar-se? Não estariam a dar força ao setor do ANC que defendia a
continuação da luta armada? E, assim, a complicar o percurso de Nelson Mandela na sua linha de pacificação e reconstrução da unidade da grande Nação sul-africana?
7.
Vem a propósito lembrar que o Presidente da
República, na altura da votação na ONU, era Mário Soares, que, sobre o assunto,
se mantém calado, o que pode significar que a posição de Portugal foi
concertada entre Belém e São Bento.
8.
Finalmente, é certo que a realidade política da
Madeira e da África do Sul são incomparáveis: na Madeira, não havia apartheid,
trata-se apenas de umas eleições municipais e de uma mudança de poder normal em democracia.
Quer dizer, apartheid social havia, veja-se o caso da colonia, mas muitos
defensores desse apartheid social estão… com o novo regime!