domingo, 17 de fevereiro de 2008

O FENÓMENO OBAMA




"Obama é o sonho americano das classes médias do século XXI"
Excerto da entrevista a Teresa de Sousa de Michael Werz, investigador do German Marshall Fund dos Estados Unidos e professor em Georgetown, que veio a Lisboa a convite do Instituto de Ciências Sociais com o apoio da FLAD para falar das eleições que concentram a atenção do mundo inteiro.

O que está em causa, do fenómeno Obama à escolha um outsider pelos republicanos, passando pelas dificuldades de Hillary Clinton
. E para dizer que há razões para isso porque elas são as mais invulgares eleições americanas desde o pós-guerra.

Teresa de Sousa: Disse que não havia grande diferença entre Hillary e Obama no que respeita às políticas, que são ambos herdeiros de Bill Clinton. Quer dizer que são ambos centristas?
Eu diria que ambos são o resultado daquilo que, no tempo de Clinton, se chamava a "terceira via" ou os "novos democratas" de um partido modernizado, menos socialista e mais centrista. O mesmo que aconteceu na Europa com Tony Blair e com outros partidos socialistas. E isto é um processo irreversível. Quando olhamos para as reformas da saúde, as políticas fiscais e orçamentais, as políticas de imigração, não há uma diferença significativa entre Hillary e Obama. É por isso que tanta gente fala do estilo, da atmosfera. Ambos são democratas da "terceira via" de Bill, fazendo passar à história as atitudes e os comportamentos do New Deal, do movimento dos direitos civis e dos sindicatos.
Quais são as chaves para perceber o fenómeno Obama?
É mais uma questão teórica e psicológica do que política. Obama é espantoso. Se for a um comício, percebe que há um campo de forças que ele emana ao qual é muito, muito difícil resistir. Uma jornalista resumiu isto de uma maneira muito simples quando, depois de ter ouvido Obama num comício, disse que, vinte minutos depois, já não se lembrava de uma única coisa que ele tivesse dito, mas dois dias depois ainda sentia a emoção.
Obama consegue criar uma atmosfera quase transcendente. Não é só o poder que emana de uma superstar, é mais. É representar algo com o qual toda a gente sonha na América: é o resultado de uma mistura racial, faz parte da elite intelectual devido à educação em Harvard, mas, em vez de ir para o mundo dos negócios ganhar dinheiro, foi para as ruas de Chicago fazer trabalho comunitário com os pobres. Pagou a sua dívida à sociedade antes de iniciar a carreira política. De algum modo, ele simboliza já não o sonho americano do imigrante do século XIX, mas o sonho americano das classes médias educadas da América do século XXI. É esse o seu poder.
Quando estava a ouvi-lo, ontem, pareceu-me que o descrevia como uma folha de papel em branco onde cada um pode projectar aspirações e expectativas. Até que ponto ele não é aquilo que, na Europa, chamamos de político populista?
Esse é um bom argumento. Em certo sentido, ele é um populista progressista, usa a sua retórica contra Washington, contra o sistema corroído de Washington, contra os políticos de Washington, contra os lobbies. E apresenta-se como o verdadeiro candidato da mudança e do bipartidarismo, capaz de superar as divisões políticas. O facto de ter evitado especificar muito as suas políticas abre um espaço imaginário em que as pessoas se podem rever, projectando em alguém de que gostam imediatamente, e que é um orador fantástico, todos os seus desejos. Mas o que é espantoso é ver gente que vai das franjas mais progressistas do movimento sindical até aos republicanos bastante conservadores achar que ele é o seu candidato.
E isso, só por si, é extraordinário.
Pode também ser uma questão de geração? Ele é pós-racial, mas é também pós-babyboomers.
É verdade. Ele tem um enorme apoio entre os jovens. Mas também consegue ser um candidato fascinante para os americanos mais velhos que viveram o movimento dos direitos cívicos. Existe uma geração inteira que ainda se lembra de 1957, quando, em Little Rock, no Arkansas, as crianças negras iam para a escola escoltadas pela Guarda Nacional de carabina em punho. Para as pessoas que ainda têm esta memória, poderem votar num negro que não está a conduzir a sua campanha como um negro mas sim como um americano, é tremendamente emocionante. Obama também representa até onde a sociedade americana mudou nos últimos 40 anos.

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