sábado, 25 de setembro de 2010

Francisco Lopes: PS e PSD brincam com a Madeira


O candidato do PCP a Presidente da República conhece bem a realidade insular, que procura acompanhar de perto. A história recente leva-o a acusar PS e PSD de fazerem da Madeira um objecto de manobra e de negociação, que ficou evidente na Lei de Meios. Se for eleito, promete estar atento e ser influente na solução do que cá se passa. Sempre através do representante da República, cargo que considera fulcral. Reivindicar autonomia é, para o comunista, "uma questão ao lado".

É o candidato da esquerda? Sou o candidato que se assume com uma postura clara e inequívoca e com um conteúdo patriótico e de esquerda. Que aponta, defende e afirma para o país um rumo diferente daquele que nos últimos 34 anos tem conduzido o país para o declínio. Um rumo de aproveitamento das potencialidades do país, que permitem outra resposta aos problemas do país. O rumo dos últimos anos tem sido de declínio nacional, de agravamento das injustiças e desigualdades sociais, que compromete o presente e futuro do país, que há recursos que permitem um futuro diferente. Veja a situação que temos: Cada vez mais um país dependente do exterior para a satisfação das necessidades básicas dos portugueses. E mesmo assim com o aparelho produtivo a ser destruído, na agricultura e nas pescas e mais de 700 mil portugueses no desemprego, grande parte deles jovens.

O Presidente da República tem poder de intervenção nestas matérias? O Presidente da República tem como funções a garantia da independência nacional e do funcionamento das funções democráticas, que devem funcionar no quadro do que está previsto na Constituição. A independência nacional é a decisão soberana dos portugueses para o seu projecto de desenvolvimento, para a resolução dos seus problemas. O Presidente tem os poderes para intervir no quadro das suas funções e eu defendo as competências actuais para no quadro das suas funções exercer uma influência e todos os seus poderes não no sentido de acentuar um rumo de desastre e de agravamento das injustiças, mas de contribuir para a mudança que Portugal precisa.

A revisão da Constituição está na agenda política, colocada pelo PSD. É necessário rever os poderes do Presidente ou a Constituição que temos é razoável nesta matéria? Defendo a interdependência entre os órgãos de soberania tal como está definido na Constituição e candidato-me no quadro desses poderes. Sobre a revisão há que apontar dois aspectos igualmente preocupantes. Primeiro, os projectos apresentados pelo PSD são projectos de subversão da Constituição, em aspectos essenciais do ponto de vista político, económico e social, designadamente, na legislação do trabalho, serviço nacional de saúde (SNS) e escola pública, transformando-os em áreas de negócios e fragilizando em absoluto os direitos dos trabalhadores. Só que o governo do PS que vêm defender uma posição contrária, na prática da acção governativa, uma postura de desrespeito prático da constituição que põe em causa o SNS, a escola pública e que pretende para além das alterações já efectuadas pôr em causa os direitos dos trabalhadores.

Manter o representante

A revisão constitucional também contempla no caso da proposta do PSD, a única tornada pública, alterações à autonomia. Nesta matéria, há sempre a eterna questão do representante da República, que é actualmente nomeado pelo Presidente. O PSD propõe um representante para as duas regiões e na Madeira e Açores não falta quem defenda o fim do cargo. Qual a sua posição? Defendo a matriz constitucional tal como está, que consagra ao Presidente da República os poderes da unidade nacional e isso envolve a afirmação e a defesa das autonomias das regiões autónomas. Essa é uma conquista da Revolução de Abril, consagrada na Constituição e que é da maior importância para que o povo madeirense possa, na sua especificidade, gerir as questões que lhe são próprias, assegurando o desenvolvimento e justiça social. Há duas regiões autónomas, Açores e Madeira, e devem ser tratadas tal como são, como duas regiões com personalidade própria e isso envolve também a existência de um representante da República para cada região.

Extinguir o cargo, como aliás defende o presidente do Governo Regional da Madeira há anos, é fundamental no percurso autonómico das regiões? De maneira nenhuma. É um caminho errado e que se inscreve numa linha de polémica que se alimenta sucessivamente a propósito da autonomia, quando a questão que se coloca para o desenvolvimento da Madeira, para responder ao interesse do povo madeirense é, para além de uma política nacional de rumo diferente, como já referi, é aproveitar as potencialidades que tem a autonomia tal como está consagrada na Constituição e com os desenvolvimentos no Estatuto-Político Administrativo da Madeira. O que nós verificamos é que há muitas matérias, que estão previstas no actual Estatuto Regional, que não estão aproveitadas do ponto de vista dos poderes e da acção política regional e também verificamos que há aspectos da última revisão constitucional, que conferem mais poderes no âmbito da autonomia, e que não estão ainda transpostos no estatuto.

Aproveitem o Estatuto!

É, portanto, uma falsa questão? Uma questão ao lado. Se há possibilidades no Estatuto que não estão aproveitadas, deviam sê-lo. Se há possibilidades na Constituição que estão consagradas e podem ser introduzidas no Estatuto Político-Administrativo, são essas que têm de ser aproveitadas.

Considera que o que a Madeira precisa é de rever o seu Estatuto Político Administrativo? Aproveitando aquilo que são as potencialidades que a Constituição já dá.

A Madeira é também conhecida por algumas polémicas e episódios políticos únicos. Muitas vezes a oposição tem criticado o Presidente da República em funções por ser pouco interventivo em algumas destas questões, como o desfraldar da bandeira nazi no parlamento regional e episódios subsequentes. Se fosse Presidente, que intervenção teria em situações destas? Candidato-me à PR e consideraria cada uma das questões que no futuro que venham a adiantar-se com a determinação dos poderes e competências atribuídas ao Presidente e com a sensibilidade que cada uma merece, mas num quadro dos poderes actuais , respeitando os poderes e também no respeito pela autonomia. Esta é a regra de conduta essencial que estabeleço para o relacionamento com as Regiões Autónomas.

Muitas vezes há no exterior a ideia de que a Madeira é uma região à parte e quase à margem da lei. Partilha desta visão? Qual o papel do Presidente no sentido de fazer com que a democracia não seja beliscada do outro lado do Atlântico? Na Região Autónoma da Madeira há muitas situações documentadas do ponto de vista de arbitrariedades em termos democráticos e há sobretudo uma realidade de grandes clivagens do ponto de vista social, grandes desigualdades sociais, com uma grande parte da população a viver em condições difíceis de habitação. Esse conjunto de problemas que são problemas de todo o país, têm na Madeira a sua incidência própria. Dentro do critério que defendo para a intervenção do Chefe de Estado - defender, fazer cumprir e cumprir a Constituição - acredito que deve intervir a todos os níveis para materializar esse compromisso. Isso envolve os seus poderes próprios, os seus poderes na sua relação com as autonomias e o papel do próprio represente da República. Há muitos desses aspectos em que a intervenção da República e dos poderes da República, que são exercidos por outros órgãos de soberania, nomeadamente, a Assembleia da República. Há ainda as funções do Governo, dos Tribunais.

Conhecedor da Madeira

E, na sua opinião, as coisas funcionam, ou a Madeira é um local distante, que consegue estar à margem? Problemas existem em todo o território nacional e não apenas na Madeira. A situação da acção política e da governação cria ali um quadro de problemas específicos e alguns deles graves e é necessário e útil que se caminhe para que em todo o território todos os princípios sejam não apenas defendidos na teoria, mas aplicados na prática.

Esta conversa tem mostrado que é um conhecedor da realidade insular, que nem sempre acontece no panorama político nacional. Já esteve na Madeira várias vezes, que acompanhamento faz do trabalho do PCP-M na Região? Procuro informar-me pelas funções que tenho [deputado] e no quadro da minha candidatura à PR procuro informar-me sobre a realidade de todas as zonas do país, das regiões também. Uma das últimas vezes que estive na Madeira, pouco depois do temporal de 20 de Fevereiro, deparei-me com uma situação muito grave, não apenas os riscos que continuam para o futuro, se não há medidas estruturais de protecção para as populações.

Reparei também que se uma parte do território, designadamente na baixa do Funchal, os trabalhos estavam muito acelerados nessa altura, nas zonas altas e noutros concelhos as coisas estavam muito atrasados. É um problema, sem dúvida que o turismo é importante e a imagem que a Madeira dá para o exterior, mas isso não se pode sobrepor ao interesse concreto das suas populações, dos seus dramas, das condições em que vivem, que, em muitos casos, foi deteriorada e alguns continuam em situação não resolvida.

Também me preocupa uma outra situação que é a forma como são utilizados os meios para resolver esses problemas. Houve uma polémica muito grande em torno da Lei de Finanças Regionais e nós tivemos uma posição muito clara: Deve haver um respeito pelos compromissos financeiros com as regiões e sem discriminações. Esta posição que tive e o meu partido tomou quer na Assembleia Legislativa, quer no parlamento nacional, acabou por não ser acompanhado nem pelo PS, nem pelo PSD. Depois dessa polémica, tudo isso foi trocado por uma combinação especial de meios, a propósito e a pretexto da intempérie, que quase colocou em hibernação a Lei de Finanças Regionais e toda a sua problemática. Entendo que, nestas e outras matérias, o povo madeirense não deve ser um objecto de manobras entre negociações e acordos entre o PS e PSD.

Pelos trabalhadores

A sua candidatura visa derrotar Cavaco Silva, se este se recandidatar. O que é um mau resultado? A minha candidatura tem como objectivo a PR. É por Portugal e visa contribuir e dar uma oportunidade ao povo português de ter uma alternativa, de escolher uma pessoa para Presidente, que não está comprometida com o rumo de declínio e desastre das últimas décadas. Um candidato que tem um projecto que envolve todas as regiões no seu todo.

É para levar até ao fim? Sim. Esta não é uma candidatura contra. É por Portugal, pelos portugueses, pelos trabalhadores, pelas novas gerações, pelos mais idosos, pelas mulheres e o seu direito à igualdade. Para conseguir esse objectivo é necessário que o actual Presidente da República não seja eleito e a minha candidatura afirma-se um contributo, não por uma questão pessoal, mas porque durante mais de 15 anos, Cavaco Silva tem tido as mais altas responsabilidades governativas e é dos políticos mais responsáveis pela situação a que o país chegou.

Nenhuma das outras candidaturas é solução, nem a de Manuel Alegre? O projecto que o país precisa só é assumido pela minha candidatura. Também nas outras candidaturas há comprometimento com o que tem sido feito nos últimos anos. Não vemos esta clareza.

Evitar a vitória de Cavaco

A sua candidatura não divide o eleitorado de esquerda? Não, a minha candidatura mobiliza e acrescenta e contribui para este projecto. Todos os votos na minha candidatura são votos que contribuirão para que Cavaco Silva não seja eleito. Dirijo-me a todos os portugueses, independentemente de em quem votaram nas últimas eleições e para todos os que já baixaram os braços. Quero dizer, com a minha candidatura, que vale a pena.

Rejeita a ideia de que esta candidatura é um trampolim para a liderança do partido? Em absoluto. Conhece mal o PCP quem acredita que o partido ia apresentar uma candidatura na actual situação do país, em função de qualquer cálculo interno. O meu camarada Jerónimo de Sousa tem a força, a determinação e todas as condições para ser não apenas a solução no presente, mas também no futuro, como secretário-geral do partido.

É um homem da máquina do partido? O PCP não tem uma máquina, tem uma organização, mas composto por militantes, seres humanos, com características próprias, com o seu sentido de servir os trabalhadores, o povo e o país. Outra observação sobre a questão do desconhecido: Tenho 38 anos de actividade política, nas mais diversas funções, umas mais visíveis outras menos visíveis e com uma intervenção na Assembleia da República, eleito pelo círculo de Setúbal. Mas a questão para a Presidência da República é aquilo que somos e o que queremos para o país.

Se não for eleito. Manuel Alegre podia ser uma hipótese? Várias vezes essa questão me foi colocada de diferentes formas e o que lhe quero dizer é que estou nesta campanha para usar toda a minha capacidade, força e convicção para transmitir ao povo português a importância de optarem por uma escolha nova. E essa escolha é a minha candidatura. Em função dos resultados da primeira volta a seguir se verá que questões se colocam.


O político

Francisco Lopes apresenta-se assim: "Candidato à Presidência da República, assumindo um projecto distintivo e alternativo". Defende "um futuro de desenvolvimento, progresso e justiça social numa perspectiva patriótica, de esquerda e de desenvolvimento equilibrado do país". Diz ainda o candidato que lidera um projecto que se afirma na "defesa e desenvolvimento do regime democrático, no cumprimento da Constituição da República combatendo quer o seu desrespeito na prática pela acção governativa, quer os projectos que visam a sua descaracterização"

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