domingo, 10 de agosto de 2008

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DAS RELIGIÕES NA ESCOLA

Artigo no Público de hoje
A responsabilidade individual

Faranaz Keshavjee


Os laicistas e secularistas não devem sentir-se intimidados quando se defende o ensino das religiões nas escolas

(... ) Em realidades onde o Estado-Providência garante as condições elementares de bem-estar social e material, o mais normal é esperar-se que o Governo resolva todos os problemas quando sabemos que, para muitas situações, precisa da cooperação da sociedade civil.
Contudo, uma sociedade civil mais activa e interventiva só é possível se houver formação nesse sentido, ou seja, um modelo educativo que prepare os sujeitos para uma atitude de co-responsabilidade e cooperação no melhoramento das condições de vida.
O primeiro espaço de socialização e o mais marcante na vida do sujeito onde este tipo de atitude pode construir-se é a família. Aí aprendemos os nomes das coisas e o como se faz. Mas, o que fazer quando esses modelos são pobres, não apenas materialmente mas, sobretudo, culturalmente, e ensinam pouco sobre a responsabilidade individual para dar aquele salto na vida?
Resta-nos o segundo meio de formação - a escola. Uma escola que contemple, desde os primeiros níveis, a formação assente no espírito crítico, em valores de humanismo, de ética cosmopolita, de consciência social e de participação cívica. Uma escola que envolva os pais e cujos professores sejam recipientes de formação e qualificação aos níveis por exemplo do International Baccaleaureate (IB).
As sociedades laicas e seculares assentam em muitos desses valores e ensinamentos éticos, muitos dos quais racionalmente discutidos nas filosofias antigas e recuperadas através das tradições religiosas milenares, como por exemplo do islão. Não podemos apagar a historicidade dos factos civilizacionais - o que pensamos hoje resulta de uma herança intelectual que em tempos se deixou estimular pelo mistério, pela metafísica, pela poética do existir.
Os laicistas e secularistas não devem sentir-se intimidados quando se defende o ensino das religiões nas escolas. Este tipo de ensino tem a vantagem de recuperar muitos desses valores, e todo um conjunto de princípios éticos que poderiam facilitar o processo de aprendizagem e de interiorização de atitudes de consciência social, de responsabilidade individual e de participação cívica - elementos de formação humana que aparentemente foram desaparecendo no ensino laico e secular.
Não defendo o ensino das teologias, embora considere importante um tipo de abordagem que ajude a conhecer a diversidade das religiões e a forma como os humanos falam de Deus. Nem penso que se deva promover algum tipo de religiosidade, embora reconheça que acreditar até ajuda! Mas, o que é mais importante neste modelo educacional é que, a par das filosofias, o ensino das religiões sirva para conhecer uma outra dimensão integrante da vida humana - a da fé - e que essa pode mobilizar o intelecto para a busca de melhores condições de vida - material e espiritual. Os muçulmanos, por exemplo, motivados pela ideia de perfeição divina conseguiram, entre outras coisas, desenvolver a numerologia e a álgebra, que ainda utilizamos para coisas muito práticas; ou a arquitectura e a engenharia para a construção de habitats equilibrados; ou a medicina para promover o bem-estar dos homens e mulheres.
Ensinar as religiões na escola não deve servir o proselitismo de nenhuma confissão. Sejamos racionais e práticos: o caminho deve ser, claramente, o de ajudar a conhecer o humano através do pensamento religioso - uma antropologia histórica das religiões - e, a partir dai, recuperar uma "ética cosmopolita" - ou seja, uma ética que sirva a humanidade, crente e não crente, contribuindo para a construção de uma cultura geral de justiça social, de cosmopolitismo, e de relativa prosperidade. Estudiosa de temas islâmicos

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